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LER

Livros. Notícias. Rumores. Apontamentos.

O caso Face Culta, por Rui Zink

«O caso Face Oculta não é nada, comparado com o caso Face Culta. No Face Oculta, o problema é um empresário ter distribuído dinheiro a rodos em troca de favores. No Face Culta, o problema é as empresas quererem favores sem distribuírem dinheiro nenhum. É que a cultura é a área na qual há a cultura de não pagar — não atribuir um valor — a grande parte do trabalho que se faz.» Texto completo aqui.

Eduardo Pitta e os «comes e bebes» das editoras e livrarias

Sem ofensa, isto das editoras e das livrarias diletantes lembra-me sempre os comes e bebes. Não conheço nenhum assalariado, médico, artista, bancário ou socialite que não sonhe abrir um restaurante. Nenhum domina os rudimentos da restauração, mas todos se consideram aptos à empresa. Meia dúzia cresceu em casas onde havia boas cozinheiras, a maioria viaja, todos socializam. Nos jantares em que estas coisas se «discutem», em regra a partir da segunda garrafa de Mouro 2005 (Miguel de Orduna Viegas Louro, da Quinta do Mouro, Estremoz, para Dirk Niepoort), distribuem-se lugares: «Tu tratas das relações públicas, eu fico na sala...» A maioria leva-se a sério, e alguns, para desgraça colectiva, até cometem.

 

[Eduardo Pitta, hoje, aqui.]

Saramago e os portugueses que decidem aprender espanhol

«Vamos a ver o que se passará depois da recente notícia de que são muitos, muitíssimos, os portugueses que decidiram aprender espanhol e tomam muito a sério a decisão. Temo, porém, que os patrioteiros do costume comecem a gritar por aí que vem o lobo. De acordo que alguma coisa vem, e essa é necessidade de aproximação dos povos da península, este de cá e os outros de lá. A História, quando quer, empurra muito.» Mais um texto de José Saramago no seu Caderno.

«Haverá compras de editoras por valores quase insignificantes»

«Em primeiro lugar, creio que a concentração, que para muitos foi uma surpresa, era algo que devia esperar-se. Há demasiadas editoras e demasiados livros para o público leitor que temos. Creio também que a concentração vai trazer, ao contrário do que muitos esperam, uma redução dos títulos publicados. Os grandes grupos sabem fazer as contas e vão perceber melhor a realidade do mercado do que os pequenos projectos editoriais, muitas vezes quixotescos na sua gestão e análise de mercado.
Eu não esperava mais concentração editorial em 2009, antes de se entrar neste momento de crise. Agora acho que, se os grupos grandes agirem bem informados e de forma inteligente, haverá bastantes aquisições. A economia do mercado editorial português é, infelizmente, feita sempre no limite do sustentável e a crise vai abanar muito as pequenas editoras. Acho que haverá compras e por valores quase insignificantes. As pequenas editoras só com muita dificuldade vão sobreviver à junção das políticas de esmagamento dos grandes grupos (já alguém reparou que é raro encontrar um livro publicado por um grande grupo a mais de 16 euros?) e da crise que, tenho a certeza, vai agravar-se.
Aos grandes grupos surgirá a possibilidade de comprar marcas e catálogos de peso por quase nada – e as pequenas editoras terão de o aceitar ou falir. Penso, pois, que 2009 verá o final de muitos projectos interessantes, a não ser que os grandes grupos intervenham. Pessoalmente estou certo de que o que sobreviver a este momento vai ser, pela primeira vez, uma indústria cultural adequada ao mercado. Mas, durante esse processo, viveremos dias negros para a edição em Portugal.»

 

Excerto de um texto de Hugo Xavier, editor da Cavalo de Ferro, publicado na edição de Janeiro da LER, semanas antes da notícia da aquisição desta editora pela Fundação Agostinho Fernandes.


Conferência de imprensa «em que serão anunciados os moldes em que a Cavalo de Ferro passará a integrar o Grupo Editorial da Fundação Agostinho Fernandes» — segundo se pode ler no comunicado — hoje, às 18h30, na Buchholz, Largo Rafael Bordalo Pinheiro, 30, em Lisboa.

Manuel Alberto Valente e o preço dos livros

Um texto de Manuel Manuel Alberto Valente, responsável pela Divisão Literária de Lisboa da Porto Editora, abre a cortina da nova rubrica de opinião do Blogtailors. Eis um excerto:

 

Ao receber no Porto o prémio que lhe foi atribuído pelo Clube Literário, António Lobo Antunes, com a delicadeza que lhe é reconhecida, gritou alto e bom som que, em Portugal, os livros são «indecentemente caros». Imediatamente, alguns órgãos da comunicação social repercutiram, em grandes parangonas, o dislate do escritor, apressando-se a fazer comparações entre o preço de determinados livros em Portugal e nos países da nossa envolvência cultural, para chegar à conclusão, claro, de que os preços são mais elevados entre nós.


Evidentemente que estavam a comparar as normais edições portuguesas com edições de bolso, passando por cima de todas as circunstâncias que permitem a estas últimas alcançar preços mais baixos – nomeadamente pelas tiragens muito elevadas, que o (pequeno) mercado português não possibilita.

Se a comparação for feita de um modo sério, chegar-se-á à conclusão de que os preços dos livros em Portugal não variam muito em relação aos que se praticam no estrangeiro – sendo, por vezes, até mais baratos, apesar da diferença de tiragens.

Saramago e o golpe dos sapatos

«Tardia como em geral a justiça o é, mas definitiva. Afinal, não era assim, faltava-nos o golpe final, faltavam-nos ainda aqueles sapatos que um jornalista da televisão iraquiana lançou à mentirosa e descarada fachada que tinha na sua frente [George W. Bush] e que podem ser entendidos de duas formas: ou que esses sapatos deveriam ter uns pés dentro e o alvo do golpe ser aquela parte arredondada do corpo onde as costas mudam de nome, ou então que Mutazem al Kaidi (fique o seu nome para a posteridade) terá encontrado a maneira mais contundente e eficaz de expressar o seu desprezo. Pelo ridículo. Um par de pontapés também não estaria mal, mas o ridículo é para sempre. Voto no ridículo.»

 

Excerto de um texto publicado hoje no blogue de José Saramago.

Saramago: «A esquerda não pensa, não age, não arrisca um passo»

«Eu, que entretanto tinha feito outra descoberta, a de que Marx nunca havia tido tanta razão como hoje, imaginei, quando há um ano rebentou a burla cancerosa das hipotecas nos Estados Unidos, que a esquerda, onde quer que estivesse, se ainda era viva, iria abrir enfim a boca para dizer o que pensava do caso. Já tenho a explicação: a esquerda não pensa, não age, não arrisca um passo. Passou-se o que se passou depois, até hoje, e a esquerda, cobardemente, continua a não pensar, a não agir, a não arriscar um passo. Por isso não se estranhe a insolente pergunta do título: “Onde está a esquerda?”  Não dou alvíssaras, já paguei demasiado caras as minhas ilusões.»

 

Excerto do texto publicado ontem por José Saramago no blogue O Caderno de Saramago.

Um prémio para quem?

 

Editorial | Opinião

 

A fotografia que ilustra este texto reproduz um trecho de Fernando Noronha, como se o arquipélago ficasse a meio do caminho entre Portugal e o Brasil, mas sensivelmente inclinado para o Brasil. Há uma razão para a ironia: as palavras de Ruy Espinheira Filho, presidente do júri desta edição do Prémio Camões, que admitiu uma coisa que não deveria ter admitido. Segundo o escritor baiano, o júri da 20 ª edição do Prémio Camões «decidiu que centraria a sua discussão em escritores brasileiros». Mais: «Esses é que foram trazidos para análise.»

Essas declarações inquinam o Prémio e desvalorizam-no, precisamente no momento em que a CPLP se reuniu em Lisboa e decidiu investir na promoção da Língua Portuguesa. Inquinam-no e desvalorizam-no porque não é admissível que o júri se tivesse centrado apenas em autores brasileiros, da mesma forma que seria lamentável centrar-se apenas em autores portugueses.

O que o presidente do júri acaba por admitir é a quase irrelevância dos critérios do mesmo júri, apesar de admitir que não traiu o espírito do Prémio. Vamos e venhamos: não está em causa a atribuição do Prémio a João Ubaldo Ribeiro, mas sim saber por que razões (e, admitamos, é necessário conhecê-las) o júri «decidiu que centraria a sua discussão em escritores brasileiros».

Sabemos, todos, que existe uma certa rotatividade na atribuição do Prémio Camões (até para ser atribuído a autores de Moçambique e de Angola se teve em conta essa rotatividade...), mas daí até admitir publicamente que o critério eliminaria 50% dos hipotéticos candidatos vai um passo muito grande.

Ou seja: aguardamos uma explicação.

Medo, muito medinho

Leio os comentários sobre a capa da LER e fico orgulhoso com a minha pátria que vendeu um milhão de livros de uma autora mas não quer ouvir falar dela. No Brasil, li em dois dias a gigantesca biografia de Paulo Coelho, por Fernando Morais (edição Planeta). Uma parte da biografia é ligeiramente «puxa-saco»; mas ele vendeu mais de 100 milhões de livros, não há como ignorá-lo. O homem pode ser um biltre, um falsário, pode ter traído (e traiu) a própria mulher na prisão, pode ter assinado com o seu nome (e assinou) livros que não escreveu. Isso é uma coisa. Mas ele está aí. O máximo que eu faria seria escrever um romance policial para assassiná-lo. Ele gostaria, é o problema.

Feira de Lisboa, primeira visita.

A Feira do Livro de Lisboa abriu as portas e, como se esperava, choveu. É meio caminho para confirmar a sua existência, porque chove todos os anos. Que haja barraquinhas ou pavilhões, a feira está ali – e deve permanecer. É festa, como sempre. Subir e descer o parque é um ritual importante; respirar entre as árvores faz bem às coronárias e favorece os encontros, entre as prateleiras de livros. Prefiro os livros velhos, aqueles quase esgotados, vendidos por dois ou três euros, ou menos, e é isso que vou lá buscar todos os anos. Há uma magia qualquer nos livros ao ar livre, folheados ou vistoriados por almas que durante um ano inteiro aguardam aquele dia – o dia da Feira. Gosto das pessoas que fazem listas e recolhem catálogos, organizando a sua biblioteca particular, onde há sempre espaço para mais um livro. Isso é a feira – as pessoas, o ar satisfeito ou inquieto de quem se perde por um livro. O resto não me interessa nem me interessou muito. [Francisco José Viegas]

A minha barraca é maior do que a tua

A opinião de João Miguel Tavares, hoje no Diário de Notícias: «É um desconsolo, mas é mesmo assim: estar próximo dos livros não torna as pessoas mais inteligentes. Basta olhar para o conflito entre a APEL e a Leya a propósito da Feira do Livro e verificar como essa gente que faz da literatura a sua profissão consegue revelar uma tão grande falta de senso, consumindo-se em conflitos internos que deixaram de fazer sentido há pelo menos 20 anos[Texto completo aqui]

Feira suspensa

Esatava na cara. Reunião de câmara, na CML, e suspensão dos trabalhos de montagem da Feira do Livro de Lisboa (depois de se saber que a Feira do Porto tinha entrado numa crise provavelmente sem retorno). Em primeiro lugar, não se compreende que a CML tenha tomado posição e partido; em segundo lugar, isto só é possivel porque a CML cedeu a pressões e quer organizar a Feira. Ambas as coisas estão erradas. [F.J.V.]

Editorial

Opinião

Uma parte da guerra

Francisco José Viegas [*]


A Feira do Livro de Lisboa faz parte da paisagem da cidade. Por mais que nos irritemos com a sua organização, com a sua eventual desorganização, com a chuva da primeira semana de Junho e com a repetição do seu modelo tradicional – a Feira do Livro é um momento especial do calendário da cidade.

Ao longo de 77 anos, houve polémicas que a marcaram com alguma regularidade. Essas polémicas foram inevitáveis depois da criação da União dos Editores Portugueses porque duas associações (a APEL e a UEP) passaram a disputar o mesmo território.

Durante dois anos (2006 e 2007) coube-me alguma responsabilidade na Feira enquanto director da Casa Fernando Pessoa que, de responsável pela “programação cultural” em anos anteriores passou também a entidade organizadora por delegação de competências da Direcção Municipal de Cultura. Todos os envolvidos sabiam, em Maio de 2006, que aquele era o último ano em que a Feira iria seguir o figurino tradicional ou o seu modelo histórico; APEL e UEP foram avisadas de que havia alterações em 2007.

É preciso perceber porquê. Em primeiro lugar, era preciso introduzir alterações substanciais no modelo de funcionamento da Feira – no tipo de stands, no horário, nos serviços de apoio (restaurantes, bares, locais para a imprensa, etc), na “animação cultural” e na promoção. APEL e UEP estavam de acordo nisso. Em segundo lugar, não era possível prolongar a vida da Feira com as duas associações de costas voltadas e ignorando-se com antipatia – até porque havia processos em tribunal e acusações mútuas permanentes, uma situação incomportável. Em terceiro lugar, se cabia à CML (através da Direcção Municipal de Cultura e da Casa Fernando Pessoa) um papel tão decisivo, então valia a pena tentar mudar as coisas.

Em Setembro de 2006 elaborei o primeiro documento sobre a Feira do Livro; ambas as associações concordaram com ele. Durante seis meses tentámos o acordo, que parecia impossível, entre a CML, a APEL e a UEP. Nesse tempo, e confrontados com a agonia da administração municipal (que não tinha força política, não tinha gente suficiente e, finalmente, não tinha dinheiro), fomos forçados a alterar o documento de princípio. Explica-se sumariamente o novo rumo: a CML tinha pago, pela Feira de 2006, cerca de um milhão de euros. Era um número assustador. O pavilhão central era um sovedouro de dinheiro. A Casa Fernando Pessoa disponibilizava quatro funcionários, durante largos meses, só para organizar a Feira, e durante as duas semanas em que ela durava, quase se transferia para o Parque Eduardo VII.  A “animação cultural” acabava por distrair os compradores de livros e por custar dinheiro inútil. A CML nunca obteve retorno da Feira. Por isso, alterou-se o modelo e cada um faria aquilo que sabia fazer melhor: a CML disponibilizava o espaço, pagaria licenças de ocupação, fornecia infraestruturas e policiamento, trataria da promoção e entregaria 200 mil euros às associações; com esse dinheiro, as duas associações, em conjunto, reuniriam os editores e tratariam da “animação cultural”. Foram necessárias muitas reuniões com a APEL e a UEP, em quem vi sempre vontade de colaborar. Tanto a Casa Fernando Pessoa como o Director Municipal de Cultura, Prof. Rui Pereira, apesar da desordem que na época reinava na CML, fizeram tudo o que tinham prometido. As associações entenderam-se e os processos em tribunal foram resolvidos. A Feira fez-se. Sinceramente, foi um dos melhores anos da Feira, com as duas associações reunidas. Nem choveu tanto.

Estranho, por isso, que este ano tenha regressado a balbúrdia. É um cenário novo, que tem a ver com a existência de um meio editorial forte e naturalmente ambicioso – mas que deve concorrer ao espaço público da Feira conforme as regras existentes, a menos que elas sejam alteradas em consenso. O ideal seria, evidentemente, que cada editor (e, no futuro, cada grupo editorial, uma vez que o mercado mudou) planeasse os seus stands com inteira liberdade e que o regulamento da Feira fosse mais maleável e a sua promoção mais festiva. Mas não me parece que isso seja possível em confronto. E esse confronto não é senão uma sombra de outro combate; o da guerra dentro da estrutura cooperativa. É só uma parte da poeira que anda no ar.

 

* Director da revista “Ler”