«O caso Face Oculta não é nada, comparado com o caso Face Culta. No Face Oculta, o problema é um empresário ter distribuído dinheiro a rodos em troca de favores. No Face Culta, o problema é as empresas quererem favores sem distribuírem dinheiro nenhum. É que a cultura é a área na qual há a cultura de não pagar — não atribuir um valor — a grande parte do trabalho que se faz.» Texto completo aqui.
Sem ofensa, isto das editoras e das livrarias diletantes lembra-me sempre os comes e bebes. Não conheço nenhum assalariado, médico, artista, bancário ou socialite que não sonhe abrir um restaurante. Nenhum domina os rudimentos da restauração, mas todos se consideram aptos à empresa. Meia dúzia cresceu em casas onde havia boas cozinheiras, a maioria viaja, todos socializam. Nos jantares em que estas coisas se «discutem», em regra a partir da segunda garrafa de Mouro 2005 (Miguel de Orduna Viegas Louro, da Quinta do Mouro, Estremoz, para Dirk Niepoort), distribuem-se lugares: «Tu tratas das relações públicas, eu fico na sala...» A maioria leva-se a sério, e alguns, para desgraça colectiva, até cometem.
«Vamos a ver o que se passará depois da recente notícia de que são muitos, muitíssimos, os portugueses que decidiram aprender espanhol e tomam muito a sério a decisão. Temo, porém, que os patrioteiros do costume comecem a gritar por aí que vem o lobo. De acordo que alguma coisa vem, e essa é necessidade de aproximação dos povos da península, este de cá e os outros de lá. A História, quando quer, empurra muito.» Mais um texto de José Saramago no seu Caderno.
«Em primeiro lugar, creio que a concentração, que para muitos foi uma surpresa, era algo que devia esperar-se. Há demasiadas editoras e demasiados livros para o público leitor que temos. Creio também que a concentração vai trazer, ao contrário do que muitos esperam, uma redução dos títulos publicados. Os grandes grupos sabem fazer as contas e vão perceber melhor a realidade do mercado do que os pequenos projectos editoriais, muitas vezes quixotescos na sua gestão e análise de mercado.
Eu não esperava mais concentração editorial em 2009, antes de se entrar neste momento de crise. Agora acho que, se os grupos grandes agirem bem informados e de forma inteligente, haverá bastantes aquisições. A economia do mercado editorial português é, infelizmente, feita sempre no limite do sustentável e a crise vai abanar muito as pequenas editoras. Acho que haverá compras e por valores quase insignificantes. As pequenas editoras só com muita dificuldade vão sobreviver à junção das políticas de esmagamento dos grandes grupos (já alguém reparou que é raro encontrar um livro publicado por um grande grupo a mais de 16 euros?) e da crise que, tenho a certeza, vai agravar-se.
Aos grandes grupos surgirá a possibilidade de comprar marcas e catálogos de peso por quase nada – e as pequenas editoras terão de o aceitar ou falir. Penso, pois, que 2009 verá o final de muitos projectos interessantes, a não ser que os grandes grupos intervenham. Pessoalmente estou certo de que o que sobreviver a este momento vai ser, pela primeira vez, uma indústria cultural adequada ao mercado. Mas, durante esse processo, viveremos dias negros para a edição em Portugal.»
Conferência de imprensa «em que serão anunciados os moldes em que a Cavalo de Ferro passará a integrar o Grupo Editorial da Fundação Agostinho Fernandes» — segundo se pode ler no comunicado — hoje, às 18h30, na Buchholz, Largo Rafael Bordalo Pinheiro, 30, em Lisboa.
Ao receber no Porto o prémio que lhe foi atribuído pelo Clube Literário, António Lobo Antunes, com a delicadeza que lhe é reconhecida, gritou alto e bom som que, em Portugal, os livros são «indecentemente caros». Imediatamente, alguns órgãos da comunicação social repercutiram, em grandes parangonas, o dislate do escritor, apressando-se a fazer comparações entre o preço de determinados livros em Portugal e nos países da nossa envolvência cultural, para chegar à conclusão, claro, de que os preços são mais elevados entre nós.
Evidentemente que estavam a comparar as normais edições portuguesas com edições de bolso, passando por cima de todas as circunstâncias que permitem a estas últimas alcançar preços mais baixos – nomeadamente pelas tiragens muito elevadas, que o (pequeno) mercado português não possibilita.
Se a comparação for feita de um modo sério, chegar-se-á à conclusão de que os preços dos livros em Portugal não variam muito em relação aos que se praticam no estrangeiro – sendo, por vezes, até mais baratos, apesar da diferença de tiragens.
«Tardia como em geral a justiça o é, mas definitiva. Afinal, não era assim, faltava-nos o golpe final, faltavam-nos ainda aqueles sapatos que um jornalista da televisão iraquiana lançou à mentirosa e descarada fachada que tinha na sua frente [George W. Bush] e que podem ser entendidos de duas formas: ou que esses sapatos deveriam ter uns pés dentro e o alvo do golpe ser aquela parte arredondada do corpo onde as costas mudam de nome, ou então que Mutazem al Kaidi (fique o seu nome para a posteridade) terá encontrado a maneira mais contundente e eficaz de expressar o seu desprezo. Pelo ridículo. Um par de pontapés também não estaria mal, mas o ridículo é para sempre. Voto no ridículo.»
«Eu, que entretanto tinha feito outra descoberta, a de que Marx nunca havia tido tanta razão como hoje, imaginei, quando há um ano rebentou a burla cancerosa das hipotecas nos Estados Unidos, que a esquerda, onde quer que estivesse, se ainda era viva, iria abrir enfim a boca para dizer o que pensava do caso. Já tenho a explicação: a esquerda não pensa, não age, não arrisca um passo. Passou-se o que se passou depois, até hoje, e a esquerda, cobardemente, continua a não pensar, a não agir, a não arriscar um passo. Por isso não se estranhe a insolente pergunta do título: “Onde está a esquerda?” Não dou alvíssaras, já paguei demasiado caras as minhas ilusões.»
A fotografia que ilustra este texto reproduz um trecho de Fernando Noronha, como se o arquipélago ficasse a meio do caminho entre Portugal e o Brasil, mas sensivelmente inclinado para o Brasil. Há uma razão para a ironia: as palavras de Ruy Espinheira Filho, presidente do júri desta edição do Prémio Camões, que admitiu uma coisa que não deveria ter admitido. Segundo o escritor baiano, o júri da 20 ª edição do Prémio Camões «decidiu que centraria a sua discussão em escritores brasileiros». Mais: «Esses é que foram trazidos para análise.»
Essas declarações inquinam o Prémio e desvalorizam-no, precisamente no momento em que a CPLP se reuniu em Lisboa e decidiu investir na promoção da Língua Portuguesa. Inquinam-no e desvalorizam-no porque não é admissível que o júri se tivesse centrado apenas em autores brasileiros, da mesma forma que seria lamentável centrar-se apenas em autores portugueses.
O que o presidente do júri acaba por admitir é a quase irrelevância dos critérios do mesmo júri, apesar de admitir que não traiu o espírito do Prémio. Vamos e venhamos: não está em causa a atribuição do Prémio a João Ubaldo Ribeiro, mas sim saber por que razões (e, admitamos, é necessário conhecê-las) o júri «decidiu que centraria a sua discussão em escritores brasileiros».
Sabemos, todos, que existe uma certa rotatividade na atribuição do Prémio Camões (até para ser atribuído a autores de Moçambique e de Angola se teve em conta essa rotatividade...), mas daí até admitir publicamente que o critério eliminaria 50% dos hipotéticos candidatos vai um passo muito grande.
Leio os comentários sobre a capa da LER e fico orgulhoso com a minha pátria que vendeu um milhão de livros de uma autora mas não quer ouvir falar dela. No Brasil, li em dois dias a gigantesca biografia de Paulo Coelho, por Fernando Morais (edição Planeta). Uma parte da biografia é ligeiramente «puxa-saco»; mas ele vendeu mais de 100 milhões de livros, não há como ignorá-lo. O homem pode ser um biltre, um falsário, pode ter traído (e traiu) a própria mulher na prisão, pode ter assinado com o seu nome (e assinou) livros que não escreveu. Isso é uma coisa. Mas ele está aí. O máximo que eu faria seria escrever um romance policial para assassiná-lo. Ele gostaria, é o problema.
A Feira do Livro de Lisboa abriu as portas e, como se esperava, choveu. É meio caminho para confirmar a sua existência, porque chove todos os anos. Que haja barraquinhas ou pavilhões, a feira está ali – e deve permanecer. É festa, como sempre. Subir e descer o parque é um ritual importante; respirar entre as árvores faz bem às coronárias e favorece os encontros, entre as prateleiras de livros. Prefiro os livros velhos, aqueles quase esgotados, vendidos por dois ou três euros, ou menos, e é isso que vou lá buscar todos os anos. Há uma magia qualquer nos livros ao ar livre, folheados ou vistoriados por almas que durante um ano inteiro aguardam aquele dia – o dia da Feira. Gosto das pessoas que fazem listas e recolhem catálogos, organizando a sua biblioteca particular, onde há sempre espaço para mais um livro. Isso é a feira – as pessoas, o ar satisfeito ou inquieto de quem se perde por um livro. O resto não me interessa nem me interessou muito. [Francisco José Viegas]
A opinião de João Miguel Tavares, hoje no Diário de Notícias: «É um desconsolo, mas é mesmo assim: estar próximo dos livros não torna as pessoas mais inteligentes. Basta olhar para o conflito entre a APEL e a Leya a propósito da Feira do Livro e verificar como essa gente que faz da literatura a sua profissão consegue revelar uma tão grande falta de senso, consumindo-se em conflitos internos que deixaram de fazer sentido há pelo menos 20 anos.» [Texto completo aqui]
Esatava na cara. Reunião de câmara, na CML, e suspensão dos trabalhos de montagem da Feira do Livro de Lisboa (depois de se saber que a Feira do Porto tinha entrado numa crise provavelmente sem retorno). Em primeiro lugar, não se compreende que a CML tenha tomado posição e partido; em segundo lugar, isto só é possivel porque a CML cedeu a pressões e quer organizar a Feira. Ambas as coisas estão erradas. [F.J.V.]
A Feira do Livro de Lisboa faz parte da paisagem da cidade. Por mais que nos irritemos com a sua organização, com a sua eventual desorganização, com a chuva da primeira semana de Junho e com a repetição do seu modelo tradicional – a Feira do Livro é um momento especial do calendário da cidade.
Ao longo de 77 anos, houve polémicas que a marcaram com alguma regularidade. Essas polémicas foram inevitáveis depois da criação da União dos Editores Portugueses porque duas associações (a APEL e a UEP) passaram a disputar o mesmo território.
Durante dois anos (2006 e 2007) coube-me alguma responsabilidade na Feira enquanto director da Casa Fernando Pessoa que, de responsável pela “programação cultural” em anos anteriores passou também a entidade organizadora por delegação de competências da Direcção Municipal de Cultura. Todos os envolvidos sabiam, em Maio de 2006, que aquele era o último ano em que a Feira iria seguir o figurino tradicional ou o seu modelo histórico; APEL e UEP foram avisadas de que havia alterações em 2007.
É preciso perceber porquê. Em primeiro lugar, era preciso introduzir alterações substanciais no modelo de funcionamento da Feira – no tipo de stands, no horário, nos serviços de apoio (restaurantes, bares, locais para a imprensa, etc), na “animação cultural” e na promoção. APEL e UEP estavam de acordo nisso. Em segundo lugar, não era possível prolongar a vida da Feira com as duas associações de costas voltadas e ignorando-se com antipatia – até porque havia processos em tribunal e acusações mútuas permanentes, uma situação incomportável. Em terceiro lugar, se cabia à CML (através da Direcção Municipal de Cultura e da Casa Fernando Pessoa) um papel tão decisivo, então valia a pena tentar mudar as coisas.
Em Setembro de 2006 elaborei o primeiro documento sobre a Feira do Livro; ambas as associações concordaram com ele. Durante seis meses tentámos o acordo, que parecia impossível, entre a CML, a APEL e a UEP. Nesse tempo, e confrontados com a agonia da administração municipal (que não tinha força política, não tinha gente suficiente e, finalmente, não tinha dinheiro), fomos forçados a alterar o documento de princípio. Explica-se sumariamente o novo rumo: a CML tinha pago, pela Feira de 2006, cerca de um milhão de euros. Era um número assustador. O pavilhão central era um sovedouro de dinheiro. A Casa Fernando Pessoa disponibilizava quatro funcionários, durante largos meses, só para organizar a Feira, e durante as duas semanas em que ela durava, quase se transferia para o Parque Eduardo VII.A “animação cultural” acabava por distrair os compradores de livros e por custar dinheiro inútil. A CML nunca obteve retorno da Feira. Por isso, alterou-se o modelo e cada um faria aquilo que sabia fazer melhor: a CML disponibilizava o espaço, pagaria licenças de ocupação, fornecia infraestruturas e policiamento, trataria da promoção e entregaria 200 mil euros às associações; com esse dinheiro, as duas associações, em conjunto, reuniriam os editores e tratariam da “animação cultural”. Foram necessárias muitas reuniões com a APEL e a UEP, em quem vi sempre vontade de colaborar. Tanto a Casa Fernando Pessoa como o Director Municipal de Cultura, Prof. Rui Pereira, apesar da desordem que na época reinava na CML, fizeram tudo o que tinham prometido. As associações entenderam-se e os processos em tribunal foram resolvidos. A Feira fez-se. Sinceramente, foi um dos melhores anos da Feira, com as duas associações reunidas. Nem choveu tanto.
Estranho, por isso, que este ano tenha regressado a balbúrdia. É um cenário novo, que tem a ver com a existência de um meio editorial forte e naturalmente ambicioso – mas que deve concorrer ao espaço público da Feira conforme as regras existentes, a menos que elas sejam alteradas em consenso. O ideal seria, evidentemente, que cada editor (e, no futuro, cada grupo editorial, uma vez que o mercado mudou) planeasse os seus stands com inteira liberdade e que o regulamento da Feira fosse mais maleável e a sua promoção mais festiva. Mas não me parece que isso seja possível em confronto. E esse confronto não é senão uma sombra de outro combate; o da guerra dentro da estrutura cooperativa. É só uma parte da poeira que anda no ar.