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Livros. Notícias. Rumores. Apontamentos.

Um conto infantil inédito de James Joyce

The Cats of Copenhagen, agora descoberto e publicado numa edição limitada de 200 exemplares ilustrados, com preços entre os 300 e os 1200 euros, foi escrito numa carta enviada pelo escritor irlandês, então a viver na Dinamarca, ao seu neto de quatro anos Stephen James Joyce. Apesar dos livros publicados por James Joyce terem entrado no domínio público europeu a 1 de janeiro, a dúvida permanece sobre os direitos dos inéditos entretanto descobertos e publicados.

Cadernos inéditos de Orlando Ribeiro

A edição crítica do caderno de campo que Orlando Ribeiro (1911-1997) utilizou durante uma missão na Guiné em 1947 - primeiro livro da colecção Experiências de África, do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto - é hoje apresentado na Biblioteca Nacional, e serve como ponto de partida para a publicação de uma série de cadernos inéditos do geógrafo português. Depois da recente reedição de Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico (Letra Livre), esta é mais uma iniciativa comemorativa do centenário de Orlando Ribeiro, a que juntará, a partir de Outubro e até Fevereiro de 2012, uma exposição na Biblioteca Nacional sobre o trajecto deste cientista que marcou o século XX em Portugal.

Inédito de Conan Doyle publicado no Outono

«Conan Doyle enviou a obra para uma editora, mas perdeu-se nos correios, então ele decidiu tentar escrevê-la outra vez através daquilo que se lembrava. O manuscrito que temos é a história reconstruída a partir da sua memória, que acaba no capitulo seis.» Rachel Foss, responsável da British Library, justifica assim a descoberta tardia daquela que é a primeira obra do autor de Sherlock Holmes. The Narrative of John Smith, escrito entre 1883 e 1884, faz parte da colecção Conan Doyle da British Library desde 2007 e será publicado no Outono deste ano. 

Inéditos de Hammett

Rainey screwed himself around in his chair to see us better, or to let us see him better.
I was sitting next to him, a little to the rear. Above the porch rail his profile stood out sharp against the twilight gray of the lake, though there was nothing sharp about the profile itself. It had been smoothly rounded by thirty-five or more years of comfortable living.
«I wouldn't have a dog that was cat-shy,» he wound up. «What good is a dog, or a man, that's afraid of things?»
Metcalf, the engineer, agreed with his employer. I had never seen him do anything else in the three days I had known them.
«Quite right,» he said. «Useless.»
Rainey twisted his face farther around to look at me. His blue eyes – large and clear – had the confident glow they always wore when he talked. You only had to have him look at you once like that to understand why he was a successful promoter.

 

Extracto de «So I Shot Him», um dos quinze contos inéditos de Dashiell Hammett descobertos pelo editor da The Strand Magazine nos arquivos do Harry Ransom Centre (University of Texas).

Inédito de Albert Cossery na Antígona

Primeiras páginas do romance inacabado de Albert Cossery (1913-2008). «Estas páginas manuscritas foram encontradas no seu quarto [de um hotel em Paris, onde viveu durante décadas] e constituem o princípio de um romance sobre o qual o escritor trabalhava, escrevendo, segundo ele, uma linha por semana…», lê-se no e-mail que recebemos da Antígona. Um exclusivo online. Não está prevista a edição em papel.

 

 

                                Uma época de filhos de cães
 
Mokhtar sentou-se na esplanada de um café de aspecto sórdido, mas cujo rádio difundia uma melodia da cantora mítica que lhe fazia lembrar Malika, a sua mãe, que não podia ouvir este lamento de um amor perdido sem que os olhos se lhe marejassem de lágrimas. A esta hora matinal, para além de um jovem adormecido sobre um banco, como um destroço rejeitado pela noite, o local proporcionava uma calma, sem dúvida precária, mas por agora propícia à reflexão. Evidentemente, não estava nas suas intenções reflectir de novo sobre a perenidade da estupidez humana, nem vituperar os lastimáveis dirigentes deste mundo, pois todos estes indivíduos se encontravam há muito esgotados e não eram merecedores de qualquer outra crítica mais aprofundada. Numa palavra, o que ele desejava de imediato era um recanto tranquilo onde pudesse recordar – antes que perdesse todo o sabor – o incidente burlesco que precipitara o seu despedimento do lugar de professor de uma escola de um bairro popular da cidade costeira, considerada histórica, a que chamam Alexandria. Tudo começara por uma discussão sem motivo aparente com o director do estabelecimento escolar, um homem pleno de ignorância e, ainda por cima, casado com uma mulher feia. Esta dupla particularidade tornava-o detestável e intolerante nas suas relações com as pessoas inteligentes e solteiras. Após algumas insinuações pérfidas acerca da concupiscência ligada ao celibato, este gerador de crianças degeneradas acusara-o de ter feito esquecer aos seus alunos, no espaço de alguns meses, o que eles haviam demorado muitos anos a aprender. Mokhtar, nada surpreendido com este elogio que considerava absolutamente merecido, não pôde resistir à tentação de dar uma estocada definitiva e global na hierarquia, mesmo que esta fosse de medíocre qualidade. Respondeu com um tom de comiseração, como se estivesse a dar os pêsames a um viúvo amargurado, que os seus alunos tinham mesmo assim aprendido uma coisa muito importante para o futuro: que o director desta escola era um burro, e que era preciso substituí-lo por um burro de verdade, certamente mais agradável de contemplar. Para qualquer espírito livre dos preconceitos seculares de sacralização do homem, era evidente que tratar um humano de burro constituía um insulto para o burro. Mas o director, incapaz de assimilar uma doutrina tão audaciosa, pôs-se a gritar que um louco estava a querer degolá-lo, atraindo com os seus berros uma matilha de salvadores benévolos que agarraram Mokhtar e o atiraram, com as imprecações habituais, para fora da escola.
A Mokhtar não desagradou esta expulsão brutal, que lhe conferia um estatuto de dissidente político e de mártir da liberdade de expressão, capaz de suscitar o interesse, para além dos mares, dos intelectuais dos ricos países democráticos. Estes bravos pensadores, adeptos de um humanismo sem fronteiras, tinham a faculdade de tornar célebre a pessoa mais insignificante do planeta, desde que esta tivesse sofrido alguns vexames ou alguns meses de prisão por parte de um governo qualificado, para a circunstância, de ditadura sangrenta. Esta ideia divertia-o como uma enorme brincadeira. Por um momento, entreteve-se com a perspectiva de um exílio dourado em terra estrangeira, solicitado e adulado por todas as cabeças pensantes do hemisfério ocidental. Tratava-se, e ele tinha consciência disso, de uma apoteose longínqua, e mesmo improvável, pela simples razão de que o género de dissidência de que era o genial inventor nada tinha em comum com uma oposição a qualquer governo. A Mokhtar todos os governos eram completamente indiferentes, fossem eles eleitos ou impostos pela força das armas, pois todos provinham do mesmo molde e eram compostos pelos mesmos malfeitores. Era, pois, estúpido querer derrubar um governo, para depois ficar diante de outro pior do que o anterior. E na obrigação de recomeçar indefinidamente esta comédia grotesca. Para Mokhtar, a única maneira de combater um regime político só podia conceber-se no humor e no escárnio, longe de toda a disciplina e das fadigas que qualquer revolução geralmente implica. Na verdade, tratava-se de conseguir uma distracção fora das normas e não uma prova debilitante para a saúde. O seu combate contra a ignomínia reinante não tornava necessário um grupo armado nem mesmo uma sigla que referisse a sua existência. Era um combate solitário, não uma congregação de massas ululantes, mas uma operação prazenteira de salvação da humanidade, sem lhe pedir a opinião e sem esperar uma autorização vinda do céu. Há muito tempo que Mokhtar decidira que o seu papel na vida seria o de dinamitar o pensamento universal e os seus miasmas fétidos que atulhavam há séculos o cérebro fraco dos miseráveis. Esmagadas e fragilizadas, as massas humanas ainda sobreviventes à superfície do Globo foram levadas a acreditar em tudo o que lhes conta uma propaganda que ofende em permanência a verdade. Afigurava-se-lhe com nitidez que o drama da injustiça social só desaparecerá no dia em que os pobres deixarem de crer nos valores eternos da civilização, um palmarés de mentiras deliberadas, programado para os manter para sempre na escravidão. Por exemplo, a honestidade. Os pobres estão convencidos de que a honestidade é a virtude fundamental que lhes vai salvar a alma das chamas do inferno, e esta crença condena-os a uma miséria endémica, enquanto os ricos, cujos antepassados inventaram a palavra, sem jamais terem acreditado nela, continuam a prosperar. É certo que esta análise, aparentemente pueril, da economia capitalista, não satisfará os espíritos sérios, inimigos implacáveis da verdade, porque o seu simplismo impede-os de parecer profundos. Três meses antes, quando se candidatou a este lugar de professor, Mokhtar não ambicionava de maneira nenhuma ser profundo em matéria de ensino. Professor era o emprego ideal para começar a pôr em prática a destruição do discurso pernicioso habitual em todos estes continentes, cuja tradicional impostura é proclamarem-se civilizados. Com efeito, a escola proporcionava-lhe uma ocasião magnífica para influenciar jovens alunos, mais dispostos à subversão do que os adultos anestesiados de longa data pelo vocabulário dominante. A indignação do director deu-lhe a certeza de ter sido bem sucedido, pelo menos em relação a uma parte ínfima da população, mas este magro resultado representava uma carga explosiva, manipulada por três dezenas de adolescentes dotados de uma consciência renovada, e que se preparavam para prodigalizar por todo o lado o seu novo saber. Mokhtar via este bando de alegres missionários crescer e disseminar-se por todos os países e, porque não, além-fronteiras em direcção às tristes cidades do Sul moribundo.
A visão deste futuro mirífico foi bruscamente perturbada pelos latidos de um cão que dava a impressão de ser de uma espécie rara, desconhecida no bairro. Havia nestes latidos uma notável dose de insolência e como que um desafio lançado contra sabe-se lá que raça maldita. Subjugado e seduzido por este desempenho, Mokhtar dispôs-se a procurar o animal com a intenção de o adoptar, caso ele tivesse fugido a um dono autoritário e mal-educado. A ideia de passear com um cão pela trela enchia-o já de júbilo como um ataque subtil ao mito insuportável da supremacia do homem. Pôs-se assim a inspeccionar a esplanada, mas, em vez de um encontro amigável com um membro eminente da raça canina, foi ofuscado por um esplendor de cores cambiantes sob os raios pálidos de um sol de Inverno, bruscamente surgido de entre as nuvens, como que para participar neste surpreendente espectáculo feérico. O responsável por esta intrusão excêntrica da moda, símbolo da modernidade, no cenário imundo da esplanada, era um jovem dos seus vinte anos, de físico atraente e porte aristocrático, sentado a uma mesa à entrada do café, e que exibia uma panóplia vestimentar de grande ousadia na escolha dos tecidos e das cores. Este jovem esteta envergara, para uma visita turística nestas paragens deserdadas, calças de linho branco, camisa de seda vermelha, bem aberta no peito, e casaco preto de caxemira, com um pequeno ramo de jasmim na botoeira. Para completar este traje magnificente e requintado, calçava sapatos de verniz, como os que usam os ministros e os proxenetas quando vão à ópera. Mas as originalidades deste enviado do diabo não se ficavam por aqui: estava a fumar um cigarro de haxixe, cujo fumo parado desenhava uma espécie de auréola sobre a sua cabeça.
Perante esta cena inusitada, Mokhtar aguardou calmamente o que se ia passar a seguir, estranhamente consciente de que este príncipe da elegância, perdido neste lugar, tinha para lhe transmitir uma mensagem da mais alta importância. Dir-se-ia que o portador da mensagem se apercebera desta expectativa e que estava pronto para lhe responder, pois, sem mais delongas, abandonou a sua pose descontraída, endireitou-se na cadeira, ergueu os olhos ao céu, e depois, com a determinação do cantor que entoa a ária que o celebrizou, pôs-se a ladrar com um tom implacável e obstinadamente sarcástico, parecendo assim exprimir a sua raiva para com os habitantes da casa em frente. Passado um momento, parou com os latidos e virou-se para Mokhtar, visivelmente satisfeito com a sua proeza.
Mokhtar aplaudiu discretamente para não acordar o homem adormecido no seu banco, único elemento de realidade tangível que o impedia de ficar alarmado. Sem qualquer dúvida, estes latidos continham um sentido oculto que ele tinha de decifrar o mais rapidamente possível, mas o imitador de cães furiosos não lhe deu tempo para isso ao desferir-lhe a seguinte frase insensata:
- Estava certo de que compreenderias.
- De onde vem essa certeza? – perguntou Mokhtar. – Gostaria muito de conhecer as razões dela.
O jovem pimpão, que se chamava Haydar, levantou-se para se ir sentar a uma mesa junto de Mokhtar e começou a falar com um tom fortemente caloroso, como se pretendesse cativar o seu interlocutor com vista a uma cumplicidade eterna.
- Passava por aqui, guiado apenas pelo acaso, quando te vi sentado, sozinho, neste café piolhoso. Mas, em vez da tristeza e do abatimento do solitário, pairava nos teus lábios um sorriso muito especial, o género de sorriso malicioso que é um desafio à infâmia universal. Sentias-te mais poderoso do que algum monarca jamais foi. Isto levou-me a pensar que tinha obtido a tua compreensão.
 
Tradução: Luís Leitão
Revisão: Carla da Silva Pereira

Martin Amis sobre o inédito de Nabokov

«Apart from a welcome flurry of interest in the work, the only thing this relic will effect, I fear, is the slight exacerbation of what is already a problem from hell. It is infernal, for me, because I bow to no one in my love for this great and greatly inspiring genius. And yet Nabokov, in his decline, imposes on even the keenest reader a horrible brew of piety, literal-mindedness, vulgarity and philistinism. Nothing much, in Laura, qualifies as a theme (ie, as a structural or at least a recurring motif). But we do notice the appearance of a certain Hubert H Hubert (a reeking Englishman who slobbers over a pre-teen's bed), we do notice the 24-year-old vamp with 12-year-old breasts ("pale squinty nipples and firm form"), and we do notice the fevered dream about a juvenile love ("her little bottom, so smooth, so moonlit"). In other words, Laura joins The Enchanter (1939), Lolita (1955), Ada (1970), Transparent Things (1972), and Look at the Harlequins! (1974) in unignorably concerning itself with the sexual despoiliation of very young girls.

Six fictions: six fictions, two or perhaps three of which are spectacular masterpieces. You will, I hope, admit that the hellish problem is at least Nabokovian in its complexity and ticklishness. For no human being in the history of the world has done more to vivify the cruelty, the violence, and the dismal squalor of this particular crime. The problem, which turns out to be an aesthetic problem, and not quite a moral one, has to do with the intimate malice of age.»

 

Texto completo no Guardian.

Inéditos de João Cabral de Melo Neto

Na revista Sibila 13, dedicada integralmente ao poeta brasileiro (1920-1999). «Trata-se de sua última entrevista – um verdadeiro testamento –, concedida em 1999 a Bebeto Abrantes, diretor do documentário Recife/Sevilha – João Cabral de Melo Neto (2003). Realizada ao longo de cinco dias, as mais de quatro horas de gravação só agora foram transcritas e disponibilizadas na íntegra [...].» PDF da revista disponível a partir daqui.

[Via Autores e Livros]