Antiga, mas conto para introduzir o tema. Uma professora de Ciências pergunta à sexta classe qual a parte do corpo humano capaz de, quando estimulada, aumentar dez vezes o seu tamanho. Uma garota cora e ofende-se; ameaça queixar-se à mãe. A professora ignora-a e dá a voz a outra criança de braço no ar: «A pupila!» Voltando-se para a menina ultrajada, a mestra esclarece: «Ouviste? Essa é que é a resposta certa. Além disso, há três coisas que precisas de saber. Primeiro, a tua cabecinha está a precisar de uma boa limpeza; segundo, não estudaste a lição e, terceiro, um dia vais sofrer um grande, grande desapontamento.»
Foi a minha leitura de mais um capítulo do livro, ainda a cheirar à gráfica, Thinking, Fast and Slow, de Daniel Kahneman, Prémio Nobel da Economia, que me lembrou essa estória e a tornou científica nos pomposos termos de “pupilometria cognitiva”, campo a que aliás o mesmo autor já dedicara um volume inteiro, Attention and Effort (1973), explicando a interrelação entre a actividade mental e a dilatação da pupila; esta supostamente revela o índice de energia dispendido pela mente. Ou seja, acabaram quantificando a velha expressão «Os olhos são as janelas da alma».
A graçola que abre hoje este meu cantinho costuma provocar da parte das mulheres comentários do género: «Vê-se que essa é uma anedota masculina porque isso de tamanho é uma obsessão de homem, não partilhada pelo elemento feminino.» Na verdade, até mesmo o humor para consumo macho confirma a diferença. Em abono da afirmação ressalte-se os graffiti das casas de banho dos homens, informativo estendal de dados empíricos. (Um dia encontrei na privada do Andreas, ali à Thayer Street, um que anunciava «I’m nine inches». Por baixo, alguém acrescentou: «Fine, but how big is your prick?» – fica em inglês porque a tradução, por mais que a tentasse, só podia roubar metade da chalaça). Não tenho estatísticas mas estas realidades de diferenças de género foram ainda há meses corroboradas por ambos os lados dos campos de guerra sexual num programa de Jon Stewart a propósito da voga de jovens exibirem os seus dotes genitais via telemóvel em SMS às miúdas - em inglês, sexting, de texting. (Aliás, não lhes é exclusivo. Lembram-se do congressista Anthony Weiner que por isso teve de dizer adeus ao seu lugar em Washington?) Uma mulher captou o duro da questão: «Percebam os homens que sim, queremos um pénis, mas um pénis que nos oiça e com o qual possamos conversar, e com bom aspecto, para nos dar o prazer de apresentá-lo à família.» O que inevitavelmente me fez lembrar o pai daquela jovem toda século XXI, que prezava acima de tudo a sua liberdade e por isso… «Casamento?!... Nem pensar!» O pai tentava dissuadi-la: «Como mulher, um dia vais sentir a falta de um homem.» A filha, língua desempoeirada e solta, que não. «Para aquilo que os homens ainda servem, há hoje aparelhos eléctricos que desempenham bem o serviço.» Um dia, porém, ao entrar em casa, deparou com o pai na sala. De robe, contemplativo e taciturno, copo de uísque e charuto. Em cima da mesa, diante de si, um vibrador eléctrico. Intrigada, a rapariga indagou e ouviu: «Estou só a descontrair um pouco e a bater um papo com o meu genro.»
Houvesse aqui espaço e contaria uma mais recente sobre o género do computador, por sinal bastante equitativa dividindo a piada a meias entre homens e mulheres. Os ouvintes de ambos os lados acenam anuindo, reconhecendo-se nos estereótipos, um deles o da pecha sexual masculina. Essa verdade consagrada pela experiência histórica foi afinal captada em grande por alguém que corrigiu um provérbio da velha sabedoria americana, transmitido pelas mães às filhas casadoiras: «A way to a man’s heart is through his stomach». A alternativa proposta é: «Quem julga que para chegar ao coração de um homem lhe deve tratar do estômago, está a apontar muito alto.»
Crónica de Onésimo Teotónio Almeida publicada na edição de janeiro da LER.
Em 1912, a Publisher’s Weekly começou a divulgar quais os livros mais vendidos na América. Com essa iniciativa, a indústria livreira quebrou a ancestral «sacralização» do livro, que se tornou então num «produto» de massas igual a outros. Um produto em competição comercial, independente de juízos estéticos.
Alexandre O’Neill chamava ao best-seller a «besta célere», e com bons motivos. Trata-se de uma «besta» pela sua dupla enormidade, pois são em geral calhamaços escritos a trouxe-mouxe; e é «célere» porque vende depressa e espelha uma época em directo. Como escreveu o crítico John Sutherland, ler um best-seller antigo é tão estranho como ler um jornal antigo. Aliás, antes da invenção das bestas céleres universais, houve fenómenos localizados, com sucesso instantâneo e colossal. Foi o caso de Charlotte Temple, romance publicado em 1791 por Susanna Rowson. Sabem quem é? Eu também não.
A besta célere é um fenómeno de moda e de impaciência. Muita gente quer ler o mesmo que os outros andam a ler, e ler de imediato, ler livros conhecidos, reconhecíveis, acessíveis. Livros escritos para o momento, e não para o futuro. O aparecimento do livro de bolso, um avanço a todos os títulos notável, acentuou porém a ideia de que o livro não é para guardar, é transportável, descartável, efémero.
O que distingue uma besta célere não é vender muito, mas vender muito depressa. As tiragens acumuladas da Bíblia ou do Quixote superam todas as bestas céleres, mas são livros que vendem sempre, ao longo dos séculos, enquanto o prazo médio de vida de uma besta célere é de uns meses, raramente mais de um ano. Até porque entretanto é preciso renovar as existências, e o romancista tem de produzir novo cartapácio.
Os grandes êxitos comerciais são quase sempre romances, embora algumas memórias, biografias e livros de auto-ajuda se possam intrometer. O romance, que se tornou uma forma hegemónica, fornece escapismo e a facilidade a rodos. Há vários anos que quatro grandes «bestas» (Clancy, Grisham, King, Steele) conseguem vender em regra um milhão de exemplares em hardcover por cada novidade, mais uns quantos milhões em paperback. Os autores de «ficção popular» escolhem muitas vezes as baias de um género, com os seus códigos previsíveis, ou as questões que angustiam a sociedade, a guerra, a mudança de costumes, o «regresso ao religioso». Temas polémicos ou sentimentais são eternos favoritos. Enredos ofegantes e conspirativos também.
Também há escritores propriamente ditos que vendem muito e depressa, como Dickens, mas são uma raridade. Um caso curioso é o de Graham Greene, que dividia as suas obras de ficção entre «novels» e «entertainments», pois não queria confusões (sendo que um “entretenimento” de Greene é coisa magnífica). E há escritores a sério que foram bestas céleres por terem sido processados (Lawrence), proibidos (Pasternak) ou condenados à morte (Rushdie), incidentes exteriores à literatura e que ainda por cima fazem mal à saúde. Faulkner também se propôs escrever uma besta célere, escolheu um tema grosseiro e escreveu à pressa Santuário (1931), que cumpriu as expectativas. Mas o sucesso é uma incógnita: a besta célere, como a economia, é uma falsa ciência, nunca se sabe o que vai acontecer. A existir, a fórmula de besta tem a ver com uma determinada intenção e uma determinada estratégia. Falar de assuntos «em voga», escrever em linguagem «simples», fazer sociologia de bolso ou metafísica aguada. Nenhuma besta é célere se for difícil.
Cresci sem bestas céleres em casa, e lembro-me de em casas alheias espreitar com espanto os calhamaços de Herman Wouk, Morris West, Leon Uris, ou o fininho Fernão Capelo Gaivota, sem perceber que continente obscuro era aquele, lia umas páginas e aquilo não era literatura, era «outra coisa». Não podia imaginar que um dia as livrarias teriam mais dessa coisa do que literatura. Nessas alturas, consolo-me pensando em Susanna Rowson. Sabem quem é? Eu também não.
Crónica de Pedro Mexia (segundo o anterior acordo ortográfico) publicada na edição de janeiro da LER.
«El conjunto es de una rara intensidad conmovida y parece próximo a grandes libros sobre ciudades, como Lisboa, de Cardoso Pires, o La forme d'une ville, de Julien Gracq. Al investigar dónde encontrar más obras del sabio turinés, he tropezado en las imágenes de Google con un Ceronetti que no me esperaba del todo: una mezcla de loco y de genio medieval. He decidido seguir leyéndolo, o investigándolo. Nacido en el 27, es poeta, filósofo, traductor, eterno articulista de La Stampa, dramaturgo, filólogo, marionetista.»
Para já, na coluna ao lado, mais crónicas de Abel Barros Baptista, Pedro Mexia, José Mário Silva, Filipe Nunes Vicente, Rogério Casanova e Jorge Reis-Sá.
Desde hoje disponíveis na coluna à esquerda: mais crónicas de Abel Barros Baptista, Pedro Mexia, José Eduardo Agualusa, José Mário Silva, Filipe Nunes Vicente, Francisco Belard, Inês Pedrosa, Eduardo Pitta, Onésimo Teotónio de Almeida, Rogério Casanova e Jorge Reis-Sá.