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LER

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Entrevista: Teresa Calçada

 

 © Fotografia de Pedro Loureiro

 

Deixou o trabalho do dia a dia ou, como ela diz, deixou de ter patrão, mas a ideia de fazer leitores não ficou para trás. Por isso é Voluntária de Leitura, e precisamente na escola onde aprendeu a ler e a escrever. A fabulosa energia de Teresa Calçada, a curiosidade extrema e o prazer de pensar numa conversa que podia nunca mais acabar.

 

Entrevista de Ana Sousa Dias

 

Como faz essas leituras? Leva livros de casa? 

Umas vezes levo os meus livros de miúda, algumas histórias de que gostei, ou que eu tenho ainda presente o sentimento de as ter lido. Livros que aparecem, que me apetece levar, ou livros da biblioteca da escola. Levei várias vezes a escolas o meu primeiro dicionário, que o meu pai que me deu quando eu andava na primária e até tem a dedicatória dele. Um livro que ele achava que devíamos ter. Isso pode ser pretexto para representar à miudagem o valor dos dicionários. Ele também me deu “Os Lusíadas” e claro que não vou levar este livro para alunos do 2.º ano, mas quando penso nisso ocorre-me levar “Os Lusíadas para gente nova” do Vasco Graça Moura, um livro ótimo como só um grande conhecedor de Camões pode fazer. Enfim, são pretextos sobre pretextos.

É um mundo infindável?

Sim, e podemos abordá-lo de várias maneiras. Basta ter um pretexto, depois os miúdos interessam-se. A promoção da leitura não tem de ser sempre com literatura de ficção, alguns miúdos gostam mais de ciência ou de outro tema. Uma vez fui a uma sessão da Fábrica da Ciência [de Aveiro] que é estupenda em matéria de trabalho com os miúdos. A Rede de Bibliotecas Escolares tem uma experiência fantástica com eles, têm até uma parceria.

Aquilo ocorria num hotel e era um pequeno-almoço. Eles comiam o que queriam e falávamos de livros. Eu levava um conjunto de livros, de ciência, de ficção, de filosofia. Gosto muito de falar de filosofia para crianças, é um tema que cria muitas empatias. Gerou-se uma conversa com os miúdos, e via-se os interesses deles, comparava-se, uma discussão à volta de livros com canalha miúda, no meio de um pequeno-almoço importantíssimo, imagine-se, num hotel. Na conversa, percebemos quais são os temas que os interessam mais. Muitas crianças trazem um currículo oculto mais vasto que outras, por razões de família. O currículo oculto é muito importante, é por isso que a escola e as bibliotecas têm um papel nessa inclusão.

Como se revela esse currículo oculto?

Tenho a experiência de voluntária de leitura numa biblioteca de aldeia e basta conhecer a a história dos miúdos, das famílias, da própria aldeia, olho para eles e sei que vocabulário trazem. É um ecossistema. E o léxico de cada um faz a diferença na capacidade de leitor. Não é nenhum anátema, a escola pode bem, e deve, ultrapassar isso. É um grande desafio para a escola e para as bibliotecas. É na prática com as palavras, a brincar com elas, a saber usá-las, que percebemos as nuances. Podemos usar a literatura científica ou artística ou do desporto – por que não? Há miúdos que tendem para uma literatura e outros para outra. Eles trazem preferências muitas vezes marcadas pelos gostos dos pais, uns gostam de carros ou de motos, porque o pai tem, por exemplo, ou de surf, porque o pai faz. Mas é possível fazê-los ganhar outra lógica de interesses.

 

[Entrevista na LER de Março]

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