«Nestes tempos em que tudo se desmorona, é o que sobrevive: a amizade, o amor, a família.»
Sinto-me bem assim. Eu não devia dizer isto: convivo bem com a melancolia. Ainda há dias escrevi uma crónica que se chamava «Lembrança dos amigos mortos». Ocorre-me tantas vezes isso. Agora estão a morrer os meus gatos todos. [...] Mais tarde ou mais cedo – meses, anos – vão todos. Mas também nós. Eu tenho 68 anos:meses, anos e também vou. Tudo morre, não é?
Convive muito coma ideia da morte?
Não. Acho que nunca conseguimos conceber isso perfeitamente. Mas a racionalidade impõe-se-nos.Toda a gente tema ideia da morte.Durante muitos anos é só uma palavra. Depois começam a morrer pessoas próximas de nós e ela de repente ganha um rosto concreto. Estou numa idade em que muitos amigos meus se estão a ir. Os primeiros foram uma surpresa, agora é quase normal. Embora seja uma coisa sempre muito penosa porque nós também somos os nossos amigos. Até já escrevi que a amizade é a forma mais alta e mais desprendida do amor. E a família é também uma forma particular de amizade. Nestes tempos em que tudo se desmorona, é o que sobrevive: a amizade, o amor, a família.
[Manuel António Pina entrevistado por Carlos Vaz Marques, LER nº 109, janeiro de 2012. Fotografia de Pedro Loureiro]