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LER

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'Proust era um Neurocientista' publicado em Março

A tradução do livro Proust Was a Neuroscientist (2007), de Jonah Lehrer, vai finalmente ser publicada em Portugal pela Lua de Papel. Nas livrarias em Março.

 

Na edição de Agosto da LER (nº 71), Carla Maia de Almeida assinou um texto sobre a edição original:

 

Podem os artistas e escritores antecipar, na sua intuição criativa, as próximas descobertas da ciência? Entretido com a leitura de Proust enquanto esperava pela mutação das células, Jonah Lehrer acreditou que a pergunta dava um livro. Licenciado em neurociências pela Universidade de Columbia, perseguia uma pós-graduação no laboratório de Eric Kandel, Prémio Nobel da Medicina, quando concluiu que «não era suficientemente bom» para continuar. Proust Was a Neuroscientist, o livro, terá surgido algures no intervalo entre a decepção e a expectativa, num desses momentos de transição em que as ideias se propagam como ondas. Para quem já tinha passado dois anos a estudar a literatura do século XX, a escolha do objecto foi óbvia: o cérebro, fonte da imaginação, o maior dos mistérios e das inquietações humanas.
Em Proust Was a Neuroscientist, Jonah Lehrer reúne oito exemplos que pulverizam a noção, hoje cada vez menos rígida, de que arte e ciência são territórios adversos. Walt Whitman, George Eliot, August Escoffier, Marcel Proust, Paul Cézanne, Igor Stravinski, Gertrude Stein e Virginia Woolf, todos têm em comum a ruptura com o instituído e a procura de uma outra consciência criativa nas respectivas artes. Se o princípio da poesia de Whitman é o assumir anticartesiano da fusão entre corpo e alma, essa «substância do sentimento» que o neurocientista António Damásio tem decifrado, explicando a função biológica das emoções, já o célebre caso da «madalena de Proust» (em destaque na capa do livro) antecipou o que agora se sabe: os sentidos do gosto e do olfacto estão directamente ligados ao hipocampo, estrutura cerebral que gere os mecanismos da memória a longo prazo.
Sabe-se, também, da extrema plasticidade do cérebro, da sua capacidade de adaptação a novos estímulos e da predisposição para um estado contínuo de aprendizagem. Igor Stravinski intuiu o que hoje é uma certeza: a inclinação da mente para procurar padrões de linguagem. «Mas antes de um padrão ser desejado pelo cérebro, esse padrão deve ser difícil de agarrar. A música só nos entusiasma quando faz o córtex do auditório lutar para descobrir a sua ordem», escreve Lehrer. É isso que diferencia A Sagração da Primavera – que numa semana fez passar Stravinski de louco a génio – de uma repetitiva cançoneta pop. A seu modo, os exemplos de Paul Cézanne, Gertrude Stein e Auguste Escoffier são também paradigmáticos dessa noção de cérebro construtor da realidade. Cézanne pintou o mundo tal como este aparece antes de ser reconstituído pela mente. Gertrude Stein acreditou numa estrutura linguística prévia ao sentido das palavras, 50 anos antes de Chomsky. Quanto a Escoffier, o homem que modernizou a arte culinária, inventou técnicas de confecção dos alimentos que revelaram «a essência do gosto», tal como mais tarde os estudos sobre o glutamato de sódio iriam confirmar.
Há ainda dois capítulos dedicados a Virginia Woolf e a George Eliot, pseudónimo literário da inglesa Mary Ann Evans. À obra das duas escritoras Jonah Lehrer atribui, respectivamente, a afirmação da «emergência do eu» e da «biologia da liberdade». Com uma discreta habilidade narrativa, o autor vai cruzando as histórias pessoais e o essencial de todos estes legados criativos com o seu domínio da bagagem científica, para concluir que cada um de nós «é um cérebro consciente de si mesmo». Sábado, de Ian McEwan, é o romance do século XXI que simboliza a conciliação entre ciências e humanidades, sugere, em posfácio. Romance do pós-11 de Setembro e da consciência dos limites do colectivo, Sábado tem como protagonista Henry Perowne – um neurocirurgião, justamente. Perdido no seu labirinto interior, durante um dia que demora toda a vida, Perowne reconhece que a nossa capacidade de intervir no mundo começa sempre por uma escolha subjectiva. E escolher é inevitável.
Mais ideias de Jonah Lehrer podem ser lidas no seu blogue The Frontal Cortex.