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Livros. Notícias. Rumores. Apontamentos.

Minha Língua, Minha Pátria em São Paulo: Mia, Bruno Vieira Amaral, Isabela Figueiredo, Afonso Cruz, Isabel Lucas.

Começa hoje o Minha Língua, Minha Pátria, promovido pelo Instituto Eva Herz, da Livraria Culrura, em São Paulo. Hoje, Mia Couto conversa com Paulo Werneck, às 19h30 — todas as mesas acontecem na livraria do Shopping Iguatemi; os portugueses Isabela Figueiredo e Bruno Vieira Amaral discutem, no sábado, o tema «Mera Ficção e Pura Realidade: As Vozes da Margem Sul do Rio Tejo», sob moderação de Paulo Roberto Pires, e no domingo os brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá conversam com o português Afonso Cruz sobre ilustração, cartoon, bd e literatura, com moderação de Isabel Lucas.

Comentário: o que fazer com os turistas?

Os turistas – o que fazer com eles? Observá-los, como a todos os outros seres humanos.

 

Há dias, num hotel da capital, tive uma oportunidade magnífica para realizar esse exercício. De manhã, dirigi-me ao restaurante para tomar o pequeno-almoço. Um rapaz de farda, acne e gaguez pediu-me para aguardar. Por fim, indicou-me uma mesa perto da janela. Fui. A meio caminho, um grupo de quatro alemães (dois casais), insatisfeitos com a mesa que lhe fora atribuída pouco antes, ocupou a que me tinha sido destinada.

Ali fiquei, desamparado e perdido entre os alemães, com o jovem funcionário do hotel, tão perdido quanto eu. Creio que teria ordens para não abandonar o posto onde se encontrava. Olhei para ele e apercebi-me do pavor ruborizado. Eu só queria que me indicasse uma mesa alternativa e não que me apoiasse num conflito luso-alemão de consequências desastrosas para o nosso turismo, com notícia de trocas de agressões no Frankfurter Allgemeine e críticas negativas no TripAdvisor. Um outro funcionário do hotel dirigiu-se aos alemães, dizendo-lhes que tinham ocupado indevidamente aquela mesa, mas foi enxotado com um simples gesto de mão. Fez sinal ao colega, confessando a impossibilidade de remover o pesado quarteto daquela mesa. À espera de uma orientação e do meu pequeno-almoço, eu continuava ali, a observar esta comédia de costumes. Deveria ignorar as regras e ocupar uma mesa qualquer? Ou tal atrevimento só é consentido aos que vêm de fora? Como qualquer burguês, tenho horror ao escândalo público, não pelo temor do confronto, mas por excesso de consciência do ridículo. A minha hesitação durou o suficiente para que a mesa mais indesejada – no extremo oposto ao da janela – vagasse e o funcionário, apologético e atrapalhado, me encaminhasse para lá com um gesto cheio de ombros, sobrancelhas e tremores que apelava à minha boa-vontade e a uma reconfortante solidariedade nacional. Os alemães – ruidosos e terra-tenentes – devoravam ovos mexidos e sorviam sumos naturais. No meu exíguo e sombrio cantinho pensei que turismo é uma coisa, luta pelo lebensraum é outra. B.V.A.

 

Savater contra o separatismo

O filósofo Fernando Savater acaba de publicar um livro sobre a questão separatista em Espanha: Contra el Separatismo:

La sociedad prefiere la mentira mientras no recibe más que mentiras. Hay que mostrarle las realidades y enseñarle que la verdad no desaparece porque uno se empeñe en mirar para otro lado. Sí, hoy por hoy, hay mucha gente que se ampara en mentiras, pero porque eso parece que funciona. Si se demuestra que no es así, que la verdad sigue existiendo, que pueden proclamar la república las veces que quieran, que la república como tal no aparece y que lo que sí hay son elecciones autonómicas en el horizonte… Entonces, a fuerza de decepcionarse con las soluciones falsas, terminan aceptándose las verdades. 

Entrevista no ABC Libros (Fernando Savater: «Aún hay idiotas que dicen eso de “toda bandera me repugna”»)

Na morte de Patrícia Almeida (1970-2017)

Formada em História pela Universidade Nova de Lisboa haveria mais tarde de frequentar o Goldsmiths College, em Londres, onde estudou Imagem e Comunicação. Em 2001 partiu para Tóquio onde produziu o livro No Parking e no ano seguinte recebeu o prémio European Photo Exhibition Award. Desde 2003 fazia parte do colectivo de fotógrafos europeus P.O.C. – Piece Of Cake, participando em várias mostras do grupo. Em 2009, o seu trabalho Portobello(projecto que incluía uma exposição na galeria Zé dos Bois e também um livro), com fotografias realizadas no Algarve, foi nomeado para o prémio de arte contemporânea BES Photo (agora Novo Banco Photo), e no ano seguinte acabou por ser mesmo uma das três finalistas do prémio BES Photo 2010, com o projectoAll Beauty Must DieTexto de Vítor Belanciano no Público.

Comentário: dos usos da inútil gramática.

A «competência comunicativa» permite que um cachorro estenda a pata à dona – mas não é isso que faz a grande virtude das línguas.

 

São cada vez mais populares na Austrália, segundo o tão louvado The Guardian (por isso não desconfiem já de mim), as «aulas e cursos livres de gramática». Leram bem. Gramática. É uma ocupação de classe média e grupos tão diversos como advogados, editores, professores ou médicos e responsáveis da administração pública recorrem a esses cursos. E porquê este interesse por orações subordinadas, complementos diretos, verbos irregulares ou apenas pura ortografia e filologia? Porque, escreve Kate Jinx, escritora e realizadora, a gramática foi desvalorizada e eliminada dos currículos escolares a partir dos anos 70 – tendo surgido, desvairada e sombria, a “síndrome do impostor”, ou seja, a sensação de que, independentemente do grau de sucesso da sua carreira profissional, há uma clara falta de bases lá atrás, e por culpa do sistema de ensino.

Escrever corretamente, escrever em bom Português, apreciar as lições dos mestres, também deixou de ser uma preocupação geral; bastaria a «competência comunicativa», uma coisa que permite que um cachorro estenda a pata à dona ou que saibamos onde é a casa de banho num hospital. Com a agravante de, em Portugal, ninguém se interessar, mesmo, por gramática. F.J.V.

 

Fernando Relvas (1954-2017)

 Morreu Fernando Relvasum dos símbolos e referências da BD portuguesa.

 

Um texto de Relvas em 2013:

Ouvimos, então, repetida vezes sem conta e com ares de consensual sabedoria, a mais aviltante desculpa que alguém poderia inventar, a de que o português é bom, só que é mal dirigido. Aparentemente a questão estará entre o conceito de governante e o conceito de gestor, mas isso é irrelevante porque os milagres não são do domínio nem de uns, nem de outros. Depois, o português não precisa de ser bem dirigido para ser bom. Precisa de estar inserido em todo um ambiente mais funcional, ou seja, é preciso não um bom gestor mas sim um ambiente inteiro num longe daqui inteiro. Depois, governantes e gestores, para ganharem o seu têm que tirar do teu, devolvendo-te qualquer coisa, de preferência que tu não tivesses de outro modo, o que significa que, em determinado ponto do processo em full swing, dêem-lhe a volta que lhe derem, a única coisa certa é que estão lá para te tirarem tudo o que puderem tirar, em troca de produtos viciados e, de preferência, viciantes. E isto dificilmente ajudará à solução do problema. E, por fim, é uma desculpa manhosa, abdicar da dignidade de ser pessoa responsável para não ter de assumir que o problema poderá estar entre as suas próprias mãos.

Talvez a razão possa estar escondida atrás de um verbo de sonoridades estilhaçantes:

pro.cras.ti.nar
(latim procrastino, -are, deixar para amanhã)
1) Deixar para depois, adiar, retardar.
2) Usar de delongas.

Como se chega lá? Para tentar compreender como se forma um país que desde há muito funciona parando, comecemos, então, pelo mais evidente, o biolento.

É histórico. O português é biolento. Chamam-lhe alguns os brandos costumes, se bem que isso não englobe a totalidade do fenómeno. Defendem alguns que por causa do clima. Talvez. Da brisa atlântica. Talvez. Do isolamento. Talvez. Seja qual for a razão, ou razões, é algo que está por aí. Pode mesmo ter desempenhado um papel importante na independência deste país eternamente outonal. É que isto pega-se e, quando se agarra, não há maneira de lhe dar a volta. Continuar a ler.

Comentário: Vieira, cortar-lhe a cabeça

O Padre António Vieira, conhecido «esclavagista seletivo» tem uma estátua em Lisboa – pedem que se arranque, não por razões estéticas (as únicas que serviam) mas porque se trata de um esclavagista de primeira ordem.

 

Algumas das críticas feitas à estátua do Padre António Vieira no Largo Trindade Coelho, em Lisboa, também conhecido por «da Misericórdia», são admissíveis – por razões estéticas. Mas o que deixa derretida de fúria uma a associação intitulada Descolonizando, o problema é, digamos, o conjunto: o pobre Vieira, «imperador da Língua Portuguesa»; a estátua em si mesma, como conceito; a estátua em si mesma, de novo, mas como exemplo de «estatuária»; o símbolo de Vieira como elemento propagandístico do colonialismo e do fascismo (ou seja, «monumentos e outras celebrações racistas do imperialismo e colonialismo em Portugal»); a Companhia de Jesus; e talvez a obra do próprio Vieira, mesmo sem se cuidar de saber se o pregador era um feroz «propagador do colonialismo e do racismo», numa época em que os conceitos não existiam. Nada disso impede os protestos da Descolonizando e de (lê-se na ficha distribuída à imprensa) «investigadores, professores, artistas e activistas de diversas nacionalidades», que querem a estátua retirada de acordo com a tendência, devidamente importada – e sem tradução – dos EUA e de Inglaterra sobretudo, e que visa limpar o passado dos sinais do passado, sobretudo dos seus autores maiores. Razão porque na baixa lisboeta tivesse há tempos aparecido um grafito para denunciar o perigoso «Camões, o totó do imperialism [sic] colonial esclavagista.» A acompanhar a frase, uma suástica, como as imperativas circunstâncias (e o oco occipital do autor do grafito) exigem.

É claro que, tanto no caso de Camões como no de Vieira (considerado estupidamente um «esclavagista  seletivo») – como no de Diogo do Couto ou Fernão Mendes Pinto, para abreviar, mas a lista pode estender-se até ao Pinhal de Leiria que serviu para construir navios que por sua vez serviram para expandir o colonialismo racista – não interessa aos justiceiros estudá-los ou situá-los no seu tempo, mas arrematar uma bandeira e colar-lhes o labéu de criminosos. Eça era um machista (era), Camilo um miguelista (não era) e, se não me engano, a Língua Portuguesa um trapo fascista (com certeza). Vamos para bingo. F.J.V.

Jorge Carrión: sete argumentos contra a Amazon

 Jorge Carrión, o autor de Livrarias, assina um artigo publicado no Literary Hub: «Against Amazon, Seven Arguments, One Manifesto»:

On the last World Book Day Amazon revealed what were the most underlined sentences in five years of their Kindle platform. If you read on your device, they find out everything about your reading habits. On which page you give up. Which page you finish. How fast you read. What you underline. The great advantage of a print book is not its portability, durability, autonomy or close relationship with our processes of memorizing and learning, but the fact that it is permanently disconnected.

When you read a print book, the energy and data you release through your eyes and fingers belong only to you. Big Brother can’t spy on you. Nobody can take that experience away or analyze and interpret it: it is yours alone.