Carla Hilário Quevedo, estudiosa e apaixonada pela cultura clássica, colunista e autora do já histórico blogue Bomba Inteligente e do imprescindível As Mulheres Que Fizeram Roma. 14 Histórias de Poder e Violência (Esfera dos Livros).
Um livro que não leu.
To Kill a Mockingbird, da Harper Lee.
O(a) autor(a) que mais a irrita.
Presentemente é o Alain de Botton, de quem comecei por gostar, n’O Consolo da Filosofia, mas que decidiu basear a sua carreira na ideia falsa de que os livros são medicamentos que curam doenças da alma. Transformou-se num autor de livros de autoajuda e tenho pena.
Que frase tatuaria se a obrigassem?
Nenhuma. Odeio tatuagens.
Um exemplo de beleza.
Uma frase logo no início do Teeteto de Platão (trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri, ed. Fundação Gulbenkian, 2010), dita por Teodoro a Sócrates: «[Teeteto] [...] avança suavemente para a aprendizagem, sem vacilar, com eficácia e a maior gentileza, como um fio de azeite que corre sem ruído; sendo de admirar como, com esta idade, alguém age desta maneira» (144b).
Um exemplo de elegância.
Mrs. Francis Underwood, em House of Cards.
Um exemplo de fealdade.
Havaianas na cidade.
Um livro para oferecer ao pai.
As Mulheres Que Fizeram Roma: 14 Histórias de Poder e Violência, pois claro.
Em que país gostaria de ter nascido?
[Depois de muito ponderar.] Acho que naquele em que nasci: em Portugal.
Em que país gostaria de morrer?
Em Portugal.
A que político daria sempre o seu voto?
«Sempre» é impossível, porque as pessoas mudam: políticos e eleitores.
Que proibição alimentar lhe seria mais custosa?
A proibição de comer carne seria terrível para mim.
Quem lhe suscita inveja?
Inveja é uma palavra muito forte e um vício horrível. Que seja consciente disso, ninguém.
Um passeio no parque ou uma noite na ópera?
Um passeio no parque.
Cerveja, vinho tinto, vinho branco ou whisky?
Na verdade, nenhum. Excecionalmente, whisky.
A música que nunca lhe sai da cabeça.
«By the Sea», do Sweeney Todd, de Stephen Sondheim.
Um insulto.
Vai à merda. [Vai tu.]
O palavrão que usa mais vezes.
Não digo palavrões, mas penso às vezes em compostos do género «porradumraioquemaparta».
O fim de semana ideal.
Na praia.
O lugar ideal para passar férias.
Porto Santo.
A sua finest hour.
Não me lembro. Se calhar ainda não tive.
Um jogador de futebol.
Diego Maradona, claro.
O que escolheria para última ceia?
Caviar, que comeria à colher.
Que livro a impressionou mais recentemente?
Crónicas do Mal de Amor, de Elena Ferrante, em particular Os Dias do Abandono.
Nada de marcar o território com militância; por isso entram três clássicos que também abriram as portas para o cinema: Maurice, A Cor Púrpura e As Horas (a música de Philip Glass a unir a fixação das três mulheres em Mrs. Dalloway, de Viriginia Woolf). Clássicos ainda: Morte em Veneza, Um Homem Singular e Myra Breckinridge, com a intrusão de uma história portuguesa, passada em Viseu (um processo em tribunal) e contada por Agustina Bessa-Luís. Infelizmente, não está traduzido Oranges Are Not the Only Fruit, de Jeanette Winterson, mas há Edmund White (A Vida Privada de um Rapaz, D. Quixote), João Gilberto Noll (Lorde, Elsinore) – e o belíssimo Astronomia, o mais recente romance de Mário Cláudio (D. Quixote).
E.M. Forster, Maurice [Cotovia]
Patricia Highsmith, O Preço do Sal [Europa-América]
Margueritte Yourcenar, Memórias de Adriano [Ulisseia]
Alice Walker, A Cor Púrpura [Teorema]
Gore Vidal, Myra Breckinridge [Vega]
Christopher Isherwood, Um Homem Singular [Quetzal]
Agustina Bessa-Luís, Eugénia e Silvina [Guimarães]
À cabeça teriam de figurar três dos grandes clássicos da moderna literatura de viagens; uma trilogia de respeito – Chatwin, Byron (este, não o outro) e Theroux. Theroux e Chatwin, para provar a sua fixação, assinaram depois um livro em conjunto, com o título Regresso à Patagónia; o livro de Byron continua a ser uma referência (inclusive para Chatwin). Quanto a Kerouac, toda a gente espera que se cite Pela Estrada Fora; mas Os Vagabundos do Dharma é mais «radical», mais «intenso» e é o primeiro a ser eliminado em qualquer bibliografia bem educada.
Bruce Chatwin, Na Patagónia [Quetzal]
Robert Byron, A Estrada para Oxiana [Tinta da China]
Paul Theroux, O Velho Expresso da Patagónia [Quetzal]
Geoff Dyer, Yoga para Pessoas que não Estão para fazer Yoga [Quetzal]
Bill Bryson, Por aqui e por ali [Bertrand]
Jack Kerouac, Os Vagabundos do Dharma [Relógio d’Água]
Paul Theroux, Comboio-Fantasma Para o Oriente [Quetzal]
Paul Bowles, Viagens [Quetzal]
John Steinbeck, Viagens com o Charley [Livros do Brasil]
Histórias de guerras e dos campos enlameados: Tosltoi seria inevitável para ouvir o troar dos canhões, mas há histórias superlativas à volta da guerra e algumas não estão aqui, como as de Evelyn Waugh ou Winston Churchill – nem as de Carlos Vale Ferraz sobre a guerra colonial. O peso monumental de Vida e Destino cobre toda a II Guerra vista a partir da União Soviética (o manuscrito foi apreendido e o autor humilhado até à morte), a minúcia lendária de James Jones e as cinzas de Austerliz, de Sebald, são também uma forma de verificar os horrores e o ferro em brasa. Restam o humor e a irracionalidade, no fim de tudo: Catch 22, de Joseph Heller.
Lev Tolstoi, Guerra e Paz [Presença]
Erich Maria Remarque, A Oeste Nada de Novo [Camões & Companhia]
W.G. Sebald, Austerlitz [Quetzal]
Ernest Hemingway, Por Quem os Sinos Dobram [Caminho]
Margaret Mitchell, E Tudo o Vento Levou [Contexto]
Norman Mailer, Os Nus e os Mortos [Caminho]
J.G. Ballard, O Império do Sol [Livros do Brasil]
Vassili Grossman, Vida e Destino [D. Quixote]
James Jones, A Barreira Invisível [Europa-América]
A lista é infindável e sempre cheia de faltas clamorosas. Por exemplo: todos os romances de John Le Carré deviam aparecer para provar que o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim não destruíram um dos pilares da civilização contemporânea: os espiões e a literatura sobre espionagem. Não está publicado em Portugal um dos grandes romances do género, The Manchurian Candidate, de Richard Condon (mas ainda se pode comprar Os 39 Degraus, de John Buchan, Europa-América). Já Graham Greene é uma revisitação saudosa ao tempo em que os espiões tinham consciência e culpa (é ela que conduz Harlot, de Norman Mailer, a refugiar-se na URSS para ditar as suas memórias, o maior romance jamais escrito sobre a CIA). Quanto a Conrad, é uma espécie de fundador europeu.
Joseph Conrad, O Agente Secreto [11/17]
John Le Carré, A Toupeira [D. Quixote]
John Le Carré, A Gente de Smiley [D. Quixote]
Graham Greene, O Americano Tranquilo [Ulisseia]
Frederick Forsyth, O Chacal [Livros do Brasil]
Norman Mailer, O Fantasma de Harlot [Asa]
Graham Greene, O Nosso Homem em Havana [Ulisseia]
Lawrence Durrell, Águias Brancas Sobre a Sérvia [D. Quixote]
Ian Fleming, Casino Royale [Portugália]
Robert Ludlum, O Ultimato de Bourne [Europa-América]
Numa carta enviada a Paul Auster, J.M. Coetzee contou que, durante algum tempo, numa outra vida, se tinha dedicado ao xadrez. Lembrava-se bem desse período porque chegara a sonhar com tabuleiros, peças, jogadas. Concluía dizendo que não há desporto mais obsessivo e capaz de causar transtornos mentais. Na minha infância, também me abeirei atrevidamente do xadrez, mas fui salvo por uma longuíssima série de derrotas iniciais que me encaminharam decididamente para o Tetris. Então, sim, fartei-me de sonhar com peças em queda de um céu caucasiano.
Arturo Pérez-Reverte, A Tábua de Flandres [Asa]
Katherine Neville, Oito [Porto Editora]
Álvaro Pereira, Fernando Silva, Luís Santos, Kaarpov – Korchnoi: 32 Lições de Xadrez [Caminho]
Stefan Zweig, Novela de Xadrez [Assírio & Alvim]
Pedro Paulo Sampaio e António Ferreira, A Abertura Portuguesa [Caminho]
Garry Kasparov, A Vida Imita o Xadrez: Faça as Jogadas Certas no Trabalho e na vida [Gestão Plus]
Fernando Henrique Cardoso, Xadrez Internacional e Social-Democracia [Dom Quixote]
Robert Löhr, A Máquina de Xadrez [Presença]
Vladimir Nabokov, A Defesa [Teorema]
Jacobo Caselas Cabanas Xadrez: Primeiros Passos [Despertar Memórias]
Nasceu em 1982. É autora de Diálogos para o Fim do Mundo (2010), Havia (2012), O Lago Avesso (2013) e Inventário do Pó (2015), todos publicados pela Editorial Caminho. É a última página da LER da primavera de 2016.
Um livro que não leu.2666. Admiro muito outros livros de Bolaño, mas algo neste me...
O(a) autor(a) que mais a irrita. Não me ocorre nenhum/a. Há livros que me dão fastio mesmo antes de os abrir, mas não chega a ser irritação.
Que frase tatuaria se a obrigassem? Não tatuaria.
Um exemplo de beleza. O primeiro beijo. A primeira frase para um novo livro, o alvor da manhã, os primeiros acordes de uma música que adoramos e nos surpreende na rádio. Os gestos inaugurais, recomeçar todos os dias. O primeiro beijo.
Um exemplo de elegância. O sistema de 128 trigramas, 64 hexagramas e 384 máximas que compõe o I Ching e que faz dele o mais fascinante e elegante livro da história dos livros.
Um exemplo de fealdade. Deixarmo-nos convencer de que não há alternativas para o atual sistema económico. A resposta internacional à crise dos refugiados. Salvar bancos e corporações e deixar pessoas no desamparo. As tentativas de patentear sementes. Esquecermos que o nosso corpo e o corpo da terra são o mesmo corpo. O estado geral de passividade indignada – implodirmos porque já não sabemos como explodir.
Um livro para oferecer ao pai. Este Natal ofereci ao meu pai As Primeiras Coisas (Bruno Vieira Amaral) e os Cadernos de Memórias Coloniais (Isabela Figueiredo) e à minha mãe o Azul-Corvo (Adriana Lisboa).
Em que país gostaria de ter nascido? Na Lapa lisboeta, a 21 de junho de 1982, aí pelas três da tarde, se pudesse ser...
Em que país gostaria de morrer? Num momento em que esta intoxicação com a ideia de nação tivesse perdido o sentido, e que tivéssemos parado de nos guerrear por uma linha invisível no chão. Ou seja, em qualquer lado.
A que político daria sempre o seu voto? Àquele que soubesse restituir um lugar à imaginação, à utopia, e a um projeto coletivo. Terrenos que a História encheu de minas; ainda assim, lugares necessários.
Que proibição alimentar lhe seria mais custosa? Viveria bem do ar se o ar fosse docinho.
Quem lhe suscita inveja? Todos os que ultrapassaram o medo da rejeição e conseguem aparecer tal qual como são.
Um passeio no parque ou uma noite na ópera? Uma ópera no parque e um passeio na noite.
Cerveja, vinho tinto, vinho branco ou whisky? Vinho most definitely tinto.
A música que nunca lhe sai da cabeça. O tirititan-tan-tan-tah típico da abertura de uma Alegría, um dos muitos palos do baile flamenco.
Um insulto. «Pagar não pagamos; mas damos-te visibilidade.»
O palavrão que usa mais vezes. Neoliberalismo.
O fim de semana ideal. Natureza, livros, amigos, criançada, boa música e telemóveis desligados.
O lugar ideal para passar férias. Fé... férias? Interessante. Como assim?
A sua finest hour. Está mesmo a chegar!
Um jogador de futebol. Zidane no filme de Douglas Gordon? Não presto nenhuma atenção ao futebol.
O que escolheria para última ceia? Estar rodeada por amigos, família, e por todos a quem algum dia bem-quis.
Que livro a impressionou mais recentemente?A Noite e o Riso de Nuno Bragança e As Teorias Selvagens de Pola Oloixarac.
Um disco eterno.Dummy, Portishead. Há lugares da minha adolescência que ainda me retêm.
Um epitáfio. «Quem não amou / assim? Quem não amou? / Quem? / Quem não amou está morto» (de um poema de Eugénio de Andrade).
O Tribunal da Relação anula igualmente a proibição de comercialização do livro que resultara da sentença do Tribunal Cível. Na próxima semana, a Guerra e Paz voltará a distribuir o livro de Gonçalo Amaral nas livrarias.
COMENTÁRIO Se me pedissem para escolher duas palavras que definem as nossas autarquias diria «dívidas» e «rotundas». Posso estar a ser injusto para as três autarquias que escaparam a este duplo flagelo, mas é disto que me lembro quando vejo a presidente da Câmara de Portimão anunciar um programa de adoção de rotundas. Vejamos: em 2014, a Câmara de Portimão, com 159 milhões de euros de dívida, ocupava um honroso terceiro lugar na lista das autarquias mais endividadas, logo atrás de Lisboa e Vila Nova de Gaia. A par desta dívida monstruosa, a edilidade portimonense era a orgulhosa proprietária de 30 rotundas que, não podendo ser transplantadas para outras localidades nem trocadas por estatuária diversa, continuaram a adornar o espaço urbano daquela cidade. Ao fim de meses a saltar entre dívidas e rotundas e dívidas rotundas, algum cérebro autárquico sugeriu o revolucionário cruzamento entre uma campanha de solidariedade animal e o mecenato viário: pedir aos empresários da terra que adotem uma rotunda. Quem viaja pelo país sabe que a rotunda solitária, deixada ao abandono, ignorada por condutores negligentes que por ela passam sem um gesto de atenção, é um problema social gravíssimo. Em declarações à CMTV, a presidente da câmara, com o sorriso rasgado dos visionários míopes, disse acreditar que, daqui a uns anos, os turistas irão de propósito a Portimão visitar as rotundas que, na altura, fruto do investimento dos empresários na sua requalificação, estarão ao nível de um Taj Mahal ou das pirâmides de Gizé. BVA [Ler, 141]
Kamel Daoud, o autor argelino de Meursault, Contra-Investigação (publicado em Portugal pela Teodolito), recebeu o prémio Jean-Luc Lagardère, destinado a escolher «o jornalista do ano» — neste caso, pelas suas crónicas no semanário Le Point. Daoud tem sido alvo de várias ameaças dos imãs argelinos bem como de críticas de professores das universidades francesas (curioso, não?).
A última das fatwas contra Daoud veio do imã Abdelfatah Hamadache Ziraoui, que pediu que também as autoridades argelinas condenassem à morte o escritor depois de este ter criticado, num programa de televisão, as relações entre os muçulmanos e a sua religião. A justiça argelina condenou o imã a seis meses de prisão.
COMENTÁRIO O escritor argelino Kamel Daoud, autor do premiado e magnífico Mersault, Contra-Investigação (Teodolito), tomou posição – na sequência dos «acontecimentos de Colónia» – sobre o assédio e a violência sexual nos países muçulmanos e nas comunidades árabes dominadas por autoridades religiosas. Um grupo de inteletuais respondeu, no mesmo jornal (Le Monde), acusando-o de «culturalismo e orientalismo», «essencialista» ou – claro – islamófobo, por «não compreender» a rapaziada; a ideia, escreveu a escritora tunisina Fawzia Zouari (no Libération), é a de que os inteletuais de Paris não concebem que escritores como Kamel Daoud ou Boualem Samsal (o autor de 2084), vindos do campo de batalha (ambos são argelinos) possam pensar por si próprios, pondo em causa o saber universitário e as suas categorias – e escapando com vida às fatwas.FJV
Depois de Chinua Achebe (o seu livro maior, Quando Tudo se Desmorona, foi publicado em 1958), a literatura de África deixou de ser a literatura sobre África (é conhecida a sua crítica a Conrad e a O Coração das Trevas) – e, no tempo presente, já não é «a literatura das guerras de libertação», que produziu a maior quantidade de maus autores promovidos a talentos incontestáveis (a qualidade de alguns deles, como Agostinho Neto, é defendida por lei). Recentemente popularizou-se a marca «pós-colonial» – outra forma de promover a culpa de autores europeus; contra ela ou apesar dela, autoras como Chimamanda Ngozi Adichie ou Taiye Selasi estão a reinventar África na literatura de hoje. E a conseguir.
V.S. Naipaul, A Curva do Rio [Quetzal]
José Luandino Vieira, Nós, os do Makulusu [Caminho]
J.M. Coetzee, Desgraça [D. Quixote]
Mia Couto, Terra Sonâmbula [Caminho]
Nadine Gordimer, A Gente de July [Teorema]
Chimamanda Ngozi Adichie, A Coisa À Volta Do Teu Pescoço [D. Quixote]
Taiye Selasi, A Beleza das Coisas Frágeis [Quetzal]
José Eduardo Agualusa, A Rainha Ginga [Quetzal]
Germano Almeida, O Testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo [Caminho]