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Paz, Fuentes e Outros

Fui a Valência entrevistar Octavio Paz. «Uma experiência chave foi a sua visita a Espanha em 1937, onde assistiu ao II Congresso Internacional de Escritores, uma iniciativa do Komintern organizada por Pablo Neruda. Embora na sua juventude tenha lido muita literatura anarquista, Paz abraçaria mais tarde o marxismo, e paulatinamente acabou por repudiar a tirania de Estaline.» Citei a página 20 de Octavio Paz y la Poética de la Historia Mexicana, de David A. Brading (Fondo de Cultura Económica, México D.F., 2002, reimpressa em 2004). Fui a Valência com o objectivo, entre outros, de entrevistar Octavio Paz. Cheguei com 50 anos de atraso. Apesar disso, Paz estava lá. Ele ainda era vivo, eu ainda era novo. Abordei-o, trocámos frases breves ao longo de alguns dias, à entrada ou à saída do elevador do hotel onde ambos estávamos para o congresso comemorativo do que se realizara na mesma cidade, meio século antes. Mas não houve entrevista. Adiava sempre a conversa para o dia seguinte. Viera de longe, adormecia tarde («Los españoles no duermen!», queixava-se; não sei a que propósito, criticou também o tom condescendente ou depreciativo com que compatriotas seus se referiam aos índios mexicanos: «los inditos»). Além da sua amabilidade, ficou-me como consolação duvidosa o facto de não ter dado entrevistas a representantes de outros jornais (de Portugal só lá estive eu). O que escrevi então, já em Lisboa, não era sobre Paz, era sobre a guerra («civil», e de Espanha) e a comemoração, muito tensa, julgo que sem franquistas mas seguramente com estalinistas, que um congresso fez de outro, 50 anos depois.
Mais tarde, pensando na recusa octaviana de me dar uma entrevista, mesmo curta, e comparando-a com outras circunstâncias (quantas vezes um jornalista, por motivos variados, se furta a entrevistar um escritor, mesmo que o admire, pedindo ou não desculpa ao próprio, ao editor e às relações públicas do segundo), percebi que Paz estaria legitimamente pouco disponível para ser entrevistado por portugueses. Que livros dele, entre nós, tinham sido traduzidos? Que eu soubesse, nenhum (salvo o pequeno ensaio Fernando Pessoa: o Desconhecido de Si Mesmo, que graças a José Fernandes Fafe fora editado em 1980 pelas Iniciativas Editoriais num livrinho quase plaquette, e uma Antologia Poética 1935-1975 traduzida pelo saudoso amigo Luís Pignatelli para a Dom Quixote, 1984). Hoje, mais de 20 anos depois desse episódio e mais de dez após a morte de Paz (1914-1998, Nobel da Literatura em 1990), pouco mudou. Sim, houve mais alguns textos traduzidos da sua imensa obra. E então? Eu, inocente representante do desinteresse português, voltaria a ter o mesmo pouco à-vontade (mesmo assim insistente) e ele um idêntico alheamento.
Infelizmente, a indiferença portuguesa por uma grande literatura, a mexicana, não se limita ainda hoje a Paz. Mesmo de Carlos Fuentes, menos jovem mas vivo (tem só 80 anos e quase não se notam), que é ainda do tempo em que para aparecer nas letras mexicanas era praticamente indispensável ser patrocinado por Paz, não vejo em Portugal edições por aí além de várias obras importantes. E, traduções à parte (boas ou não), para encontrarmos livros seus precisamos de sorte ou (o que vem a dar no mesmo) do acaso. Foi assim que encontrei, na livraria de Lisboa onde se encontram, mesmo em quantidade e qualidade muito insuficientes, edições em espanhol, La Región Más Transparente, de Carlos Fuentes, impressa em Novembro de 2008 para a Alfaguara, sob os auspícios da Real Academia Espanhola e da associação que a mesma tem com outras vinte e uma que cultivam a língua castelhana, revista pelo autor e incluindo textos de outros sete, 750 páginas encadernadas, importado, e por 11 euros em Portugal... É a cultura, distraídos (ou ausentes), mas é também a dimensão enorme do idioma escrito e falado que invoquei sob o nome do México, a pretexto da embaixada deste à Europa, no último Salon du Livre de Paris, 13-18 de Março, lembrando as por mim esquecidas «Belles Étrangères» ali dedicadas ao mesmo país em Março de 1991. Anunciemos, em Paris também, o 5º Salon du Livre d’Amérique Latine, na Cité Internationale des Arts, de 14 a 17 de Maio próximo. E marquemos encontro para Junho, mês em que desejaria explicar melhor os motivos por que gostava de ter chamado a esta crónica «O ano do México».

 

Crónica publicada na edição nº 80 (Maio) da LER. Ilustração de Pedro Vieira.

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«Luanda é um mundo muito atractivo para um escritor. Mas também perigoso, porque há um excesso de coisas. Eu tenho um pouco a sensação de que as pessoas que vivem permanentemente em Luanda deixam de ver. A estranheza que as rodeia é percebida como natural. A vantagem da distância é essa: permite perceber que aquilo é extraordinário. [...] Esse manancial não aparece na literatura que está a ser feita hoje em Angola.»

 

Primeira entrevista de José Eduardo Agualusa a propósito do seu novo romance, Barroco Tropical.

 

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Homenagem a Rogério Mendes de Moura hoje na Feira do Livro

Destaque da programação de hoje da Feira do Livro de Lisboa: homenagem ao editor Rogério Mendes de Moura [1925-2008], às 18h30, no Parque Eduardo VII. «Sou capaz de falar sobre um livro o tempo que for necessário, mas não consigo é fazer o acto de venda, têm de ser os outros.»

 

Programação e outras informações sobre a 79ª edição no novo site, blogue, twitter e facebook. Um diário também aqui.

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