10 livros para para chegar à terra onde os fiordes nunca escondem a neve (1)
A bibliografia é vastíssima e boa parte dela não está, ainda, traduzida – aqui ficam (para quem quer iniciar-se no género) alguns dos títulos que explicam o novo mundo nórdico vivido através dos seus detetives, vítimas e homicidas.
Jo Nesbø
Para quem nunca leu Nesbø, o seguinte: Harry Hole, o detetive, continua a ser ex-alcoólico; o retrato da Noruega continua a ser deprimente e divertido; Oslo é uma cidade que regressa sempre aos seus lugares; a memória de Rakel é uma farpa para Harry – que está mais magro. Neste livro, além de Oslo, há um desenho inesquecível, a aguarela, de Bergen, a cidade dos fiordes, logo a abrir: um cadáver retalhado na neve era a última coisa que se espera daquela tranquilidade florestal, daquele recorte diante do mar. Katrine Bratt é uma nova colega misteriosa e inteligente que só os ingénuos querem conhecer. A este propósito, escreve-se lá para o fim: «Ela já ia a caminho do céu, consumida por demónios.» É o que acontece com as sereias que vivem em terra. E com mulheres – mães, uma por ano –, cuja biografia Hole persegue com uma frieza cada vez mais fingida. Ele trabalha com o coração cheio de neve num argumento que, o leitor há de perceber, se mistura com a sua própria biografia sentimental.
Dom Quixote, 470 págs. [Francisco José Viegas]
Tudo começa quando há uma infiltração num prédio: gotas de água, vindas do andar de cima – estamos em pleno verão – começam a cair numa panela onde há água a ferver. Mas com a água há albumina: daí ao sangue, é uma conta simples. Menos simples é a vida de Harry Hole por esta altura, cheia de álcool, desventuras amorosas e desejo de vingança. O álcool é o pretexto para ser despedido mas resolve passar as últimas semanas de funcionário da polícia ajudando a investigação em redor dos crimes que se sucedem no calor abafado de Oslo: um assassino meticuloso, frio, cruel, que deixa sinais esotéricos nos corpos das suas vítimas. Um dedo cortado; um diamante sob a pálpebra; um disparo a meia distância – Hole mostra toda a sua erudição sobre cristianismo antigo, cultura viquingue ou sacrifícios rituais. Pelo meio, um encenador e produtor teatral, uma mulher tentadora demais, e o desejo de vingança de novo, que serve todos os argumentos.
Dom Quixote, 240 págs. [FJV]
Karin Fossum
Gunder Jomann é solteiro, vendedor de máquinas e alfaias agrícolas em Elvestad, na Noruega, e decidiu viajar para Mumbai a fim de conhecer e casar com Poona Bai. Um casamento decidido por catálogo – mas Poona amava-o. O casamento na antiga Bombaim foi rápido e Gunder regressou ao gelo e à neve europeus, preparando a casa para a chegada de Poona («Eu gosto de cozinhar. Quando chegar à Noruega vou fazer caril de galinha para ti e para a tua irmã.»). Mas Poona nunca chegou a preparar esse caril; retido no hospital depois de um acidente de automóvel de Marie, a irmã, Gunder Jomann não pode ir buscá-la ao aeroporto – e o rasto da sua jovem mulher indiana perde-se no meio do inverno perpétuo de Elvestad. A investigação de Konrad Sejer (e Jakob Skarre), os detetives da série policial de Karin Fossum, enfrenta essa catástrofe que toma conta da vida pacata do «campo norueguês» («Sem agricultura não há Noruega.»), onde os enigmas nunca se dissolvem nem se revelam.
Dom Quixote, 280 págs. [Frederico Ventura da Gama]
Anne Holt
Uma série de mortes brutais e sem ligação vem perturbar a pacata cidade de… Não é assim que começam todas as histórias de crimes violentos em cenários idílicos? É. E é esse o ponto de partida para o quarto livro da dupla de investigadores Inger Vik e Yngvar Stubo, que, como habitualmente nos policiais nórdicos, carrega um lastro social a reboque da estrutura popular e atraente do thriller. São poucos os autores que não aproveitam a oportunidade. No caso de Anne Holt, essa preocupação é quase obrigatória visto que a autora é advogada e ex-ministra da Justiça da Noruega. Em A Raiz do Ódio, há temas delicados e atuais como o fanatismo religioso, o racismo e a intolerância. Seria ficção científica se não fosse, afinal, o país de Anders Breivik. Contraponto, 384 pp. [Bruno Vieira Amaral]
Henning Mankel
O sueco Henning Mankell tem o mérito de ter criado um detetive ficcional que pede meças aos seus homólogos norte-americanos. Kurt Wallander é uma amálgama épica de defeitos: divorciado, com relações difíceis com a filha, a ex-mulher e a memória do pai, este polícia bebe demais, só come porcaria e não lida bem com os seus superiores; é o perfil ideal para anti-herói do romance noir. Neste livro, Wallander emerge de um pântano de álcool e de anti-depressivos para investigar a morte de um advogado – e acaba a confrontar-se com um labirinto de corrupção e de interesses. Moralista e corrosivo, o detetive de Mankell é o exemplo acabado do homem que insiste em levantar o tapete para deixar o lixo à vista de todos.
Presença, 334 pp. [BVA]
Yrsa Sigurðadóttir
O vulcão das ilhas a sudeste da Islândia, ao sul de Vík (Vestmannaeyjar, como se deve dizer) é um velho conhecido – as suas cinzas invadiram a Europa por duas vezes, arrastadas pelo vento. Mas não só. Fazem parte da literatura num dos livros mais poderosos da vasta série de «policiais nórdicos» e transformaram Yrsa Sigurðardóttir numa das suas rainhas – e Thóra Guðmundsdóttir, a sua personagem principal (uma advogada), numa intérprete da vida islandesa. São estas cinzas que escondem cadáveres que, 30 anos depois da primeira erupção, convocam as obsessões extraordinárias de Yrsa: fantasmas, famílias, tradições islandesas antigas, rituais perdidos. Se alguém procura enigmas das ilhas e poeiras luminosas do norte – é aqui que eles se encontram.
Quetzal, 512 págs. FVG