Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

LER

Livros. Notícias. Rumores. Apontamentos.

Capa explicada por quem a fez

Uma capa ilustrada para um periódico é algo que deixou de ser usual. Raridade por raridade, e a par disso, publicações como a LER também não as há por aí. Posto assim, entre o convite que me chegou e a decisão que respondi não se passou mais tempo que o necessário para visualizar, em traços largos, uma figura saltitante e de rosto vermelho tocando com mais afinco do que talento um bombo e uma tuba ao mesmo tempo, no meu coreto mental. A este instante em estado de glória sucedeu-se a apreensão que a responsabilidade encomenda. Uma capa não é uma página de BD e uma lista de títulos não é uma arquitetura narrativa.

Discutido o conceito com o diretor João Pombeiro e Sara Figueiredo Costa, fiz um esboço, que, entre os três, se moldou e discutiu até uma versão final. A partir do mesmo, abri numa folha branca, maior do que o tamanho impresso da revista, os traços gerais da imagem (uma regra de contração que nem sempre sigo e, por vezes, inverto). Em apoio do desenho, dei alguma atenção a fotos de Enrique Vila-Matas e Antonio Tabucchi e declarei um ou outro suspiro mais delongado a Lispector, invariavelmente elegante em toda e cada foto, talento gémeo, por oposição, ao meu. Entretanto, inscrever-me na Tradição do Lápis Azul comporta o risco de me ver associado a tempos menos entusiasmantes da liberdade de expressão nacional. Na realidade, o lápis azul é um honesto pedaço de ilusionismo gráfico que tem sobrevivido a sucessivas vagas tecnológicas. Uma vez passada uma linha de tinta da china sobre o desenho azul, os traços a lápis são facilmente ignoráveis por vários métodos de reprodução, da litografia aos atuais scanners, isolando assim apenas a arte-final negra, sem o ruído de todos os traços não-eleitos. Uma espécie de iminência parda do espectro a nós visível. Uma vez feitos os scans a preto e branco do desenho e da caligrafia, igualmente feita em tinta da china sobre papel, os ficheiros foram importados para o Photoshop onde os colori unicamente com cores planas. Aliás, feitas as contas e salvo o uso excessivo de borracha, todo o processo é bastante minimal, lápis azul sem PIDE, tinta da china sem régua e Photoshop sem efeitos. Espero que gostem.

 

João Lemos, autor da capa de maio da LER.

1 comentário

Comentar post